
Por Alessandra Barrozo, Ana Beatriz Garcia, Guilherme Caldas, Julya Montuani e Henrique Araujo
Desde a década de 1980, com a primeira grande epidemia de aids (síndrome da imunodeficiência adquirida), o governo brasileiro promove campanhas de conscientização e iniciativas para combater o HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana). Graças a isso, a incidência da doença no País diminuiu muito mas, junto com ela, o cuidado das principais populações de risco.
De acordo com o Ministério da Saúde, um milhão de pessoas vivem com HIV no Brasil, sendo que destes, 650 mil homens e 350 mil são mulheres. Desse total, apenas 900 mil pessoas conhecem seu diagnóstico. A fim de melhorar a prevenção e combate à doença, a pasta estipula nove grupos chamados “de risco”, por estarem mais expostos ao HIV.
As populações consideradas de risco são homens que fazem sexo com homens, pessoas transgênero, trabalhadores do sexo, usuários de drogas injetáveis, pessoas encarceradas, mulheres e adolescentes em situação de vulnerabilidade e pessoas com múltiplos parceiros. Para essas populações, a recomendação, além do uso de preservativo, é a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP).
A PrEP é um medicamento que previne a infecção pelo vírus do HIV. Composto pela combinação de dois antirretrovirais, a emtricitabina e o tenofovir, que bloqueiam o sistema do hóspede de incorporar o material genético do vírus, ela é oferecida pelo SUS desde janeiro de 2018, mas barreiras estruturais e de conhecimento impedem o acesso de parte da população do País.
A PrEP é altamente eficaz na prevenção do HIV, reduzindo o risco de infecção em até 99%. No entanto, populações vulneráveis como indígenas, pretas e idosos têm acesso limitado a essa medida no Brasil. De acordo com dados do Ministério da Saúde, apenas 6,1% dos usuários de PrEP são pretos e 0,3% são indígenas. A disparidade está relacionada a barreiras culturais e socioeconômicas, além da cobertura geográfica do sistema de saúde pública.
De acordo com o relatório Sigamos o caminho dos direitos, conduzido pelo programa conjunto das Nações Unidas que tem como objetivo liderar e coordenar a resposta global à epidemia de HIV/aids (Unaids), 9,3 milhões de pessoas que hoje vivem com HIV ainda estão sem acesso ao tratamento ao redor do mundo.
Identificar e entender a motivação da lacuna na aplicação da PrEP nessas populações vulneráveis pode ajudar as entidades responsáveis a entender as causas dessa disparidade e melhorar o acesso de populações vulneráveis à política de profilaxias.
Novas populações vulneráveis
Observando os dados disponíveis sobre a incidência de HIV, é notável um aumento na população de homens e mulheres com mais de 50 anos, sendo que, depois de 2020, esse aumento teve um pico.
“O aumento da incidência de HIV em pessoas acima de 50 anos vem sendo observado globalmente, inclusive no Brasil, há pelo menos duas décadas, mas ganhou destaque mais evidente nos últimos 10 a 15 anos. Esse fenômeno é atribuído a uma combinação de fatores. Primeiro, o envelhecimento da população, aliado ao maior acesso a tratamentos antirretrovirais, permite que pessoas vivendo com HIV envelheçam e continuem sexualmente ativas. Segundo, há uma mudança de comportamento: com o avanço de medicamentos como o sildenafil, muitos idosos têm mantido vida sexual ativa por mais tempo. Porém, a prevenção com uso de preservativos não tem acompanhado esse aumento, seja por falta de orientação, por barreiras culturais ou pela percepção equivocada de que essa faixa etária estaria menos exposta ao risco. Além disso, existe menor oferta de campanhas de prevenção direcionadas ao público 50+, o que contribui para o desconhecimento”, explica Leonardo Weissmann, mestre em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Universidade de São Paulo e médico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
Entre esta população, alguns grupos destacam-se no número de casos. Mulheres heterossexuais, por exemplo, são 42% dos casos de HIV em pessoas com mais de 50 anos, enquanto homens heterossexuais são 39%. “As mulheres idosas também apresentam uma vulnerabilidade específica. A imunossenescência, processo que afeta tanto a imunidade adaptativa quanto a inata, somada às alterações hormonais pós-menopausa, como a atrofia vaginal, pode aumentar a suscetibilidade às infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), incluindo o HIV. Esse dado reforça a necessidade de atenção a essa população, que muitas vezes não é alvo de campanhas de prevenção”, diz Weissmann.
“O que chama a atenção é que a falta de percepção de risco entre os idosos os coloca em situação de vulnerabilidade, tanto em relações estáveis quanto casuais”, explica. “Além disso, essa população muitas vezes não está inserida no discurso tradicional de prevenção ao HIV, que costuma focar em jovens ou grupos historicamente marginalizados.”
Apesar desse aumento nos casos, a população acima dos 50 anos é das que menos usa ou mesmo conhece a PrEP. Visando reduzir a incidência de casos nessa faixa etária, aumentar a conscientização sobre a PrEP nesses grupos é um caminho indicado por especialistas para reduzir não apenas a aids como outras ISTs.



1. Casos Totais de HIV na População 50+:
2. Uso de PrEP por Raça:
56,6% das pessoas que usam PrEP são brancas ou amarelas, enquanto apenas 12,3% são pretas, sugerindo uma sub-representação das populações preta e indígena.
Fonte: Datasus / Painel Prep / Painel Pep/ Ministério da Saúde
3. Casos de HIV por Gênero e Sexualidade:
42% dos casos acima de 50 anos são de mulheres heterossexuais, seguidas de 39,4% de homens heterossexuais, destacando a necessidade de intervenções específicas para esses grupos.

4. Evolução da Incidência de HIV/aids em Idosos:
De 2009 a 2019, foram notificados 15.672 casos de aids entre os idosos, com um pico em 2017. Desse total, 9.588 eram homens e 6.084 eram mulheres. Foram registrados 12.907 óbitos entre pessoas idosas com aids nesse período.
5. Taxas de Incidência por Região:
No Brasil, a incidência de HIV/aids em idosos passou de 7,54 por 100.000 habitantes em 2007 para 6,86 em 2020. Na região Nordeste, a taxa aumentou de 4,25 para 8,73, enquanto no estado da Bahia a incidência subiu de 2,87 para 4,29 no mesmo período.
6. Distribuição Regional dos Casos:
A maioria das internações por HIV em idosos em 2023 ocorreu no Sudeste (34,55%), seguido pelo Nordeste (28,85%), Sul (18,18%), Norte (9,39%) e Centro-Oeste (9%).
Os fatores que podem contribuir para essa disparidade incluem barreiras socioeconômicas, culturais e de acesso aos serviços de saúde. Uma parcela da população ainda enfrenta dificuldades significativas em acessar informações sobre a PrEP, bem como em obter o medicamento devido a limitações financeiras, falta de cobertura de saúde adequada ou mesmo de conhecimento sobre a oferta gratuita.
A desigualdade estrutural no sistema de saúde muitas vezes resulta em uma menor oferta de PrEP para essas populações. A falta de profissionais de saúde treinados para lidar com as necessidades específicas dessas comunidades e a ausência de políticas públicas inclusivas agravam o problema.
Outro ponto relevante é que debilidades funcionais e cognitivas comuns para pessoas idosas podem mascarar sinais típicos de doenças infecciosas ou confundir o quadro clínico, explica Weissmann. “Prevenir condições como má nutrição e desidratação é essencial, pois essas condições aumentam ainda mais o risco de infecções em idosos. Isso reforça a importância de uma abordagem holística, que leve em consideração o estado nutricional e funcional do paciente, ao avaliar sintomas ou planejar estratégias de prevenção.”
Contudo, há pesquisas feitas na área para mapear estes índices e ajudar a combater melhor este cenário. “No Brasil, iniciativas como o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde trazem dados específicos sobre a faixa etária acima de 50 anos, permitindo monitorar tendências e alertar para necessidades de intervenção”, diz Weissmann. “Além disso, estudos acadêmicos têm explorado tanto os aspectos biológicos quanto comportamentais dessa população, incluindo barreiras ao diagnóstico precoce e desafios específicos no manejo clínico”, explica. “Contudo, ainda há um espaço significativo para ampliar essas pesquisas, especialmente no campo social, para entender melhor como as particularidades dessa faixa etária afetam a adesão ao tratamento e as estratégias de prevenção.”
Desenvolver políticas públicas que promovam a equidade na distribuição da PrEP incluiriam aumentar o financiamento para programas de prevenção do HIV, melhorar a capacitação dos profissionais de saúde e garantir que a PrEP esteja disponível e acessível em todas as regiões, especialmente em áreas com concentração de populações-chave.
Campanhas de educação e sensibilização podem ajudar a aumentar a conscientização e aceitação da PrEP nessas comunidades. Informar sobre os benefícios da PrEP, desmistificar tabus e fornecer apoio psicológico e social são passos fundamentais para melhorar a adesão ao tratamento.
Parcerias com organizações comunitárias podem facilitar a implementação de programas de PrEP mais inclusivos. Organizações como a Unaidas podem atuar como pontes entre os profissionais de saúde e as populações vulneráveis, promovendo um ambiente de cuidado mais acolhedor e eficaz.
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