Em decorrência de um preconceito aplicado desde o início da vida escolar, a presunção de que a matemática é uma disciplina muito difícil e sem propósitos é muito comum. Para desmistificar a questão para si, para seus alunos e seus colegas de profissão, a professora Marcela Visnadi, mestra em matemática pelo Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP), escreveu a dissertação Um convite às possibilidades da Etnomatemática em sala de aula, em que traz dados de pesquisa sobre a Etnomatemática e maneiras de se aplicar no cotidiano docente.
A Etnomatemática, que completa 40 anos esse ano, é uma proposta educacional de Ubiratan D’Ambrósio que busca desconstruir o academicismo e a eurocentralidade que costuma pesar no ensino da matemática. Ao contrário desta linha, a tese “se interessa pelas origens culturais, históricas e sociais dos conhecimentos que temos e defende que a matemática não é uma disciplina neutra e descolada de marcadores históricos e geográficos”, conforme descreve Marcela em seu trabalho.
Etnomatemática em sala de aula
“Nunca mais vou usar isso na minha vida”, é o que dizem muitos estudantes após horas estudando fórmulas sem entender de onde elas vieram ou para que podem servir, além dos problemas apresentados nos livros didáticos. Para solucionar este problema, a Etnomatemática busca novas perspectivas, um olhar sobre o conteúdo que é ensinado. “Na escola, temos um currículo a ser seguido, matérias que são minha obrigação ensinar. O que tento fazer é não propor somente o ‘resolva’, e sim o ‘entenda de onde veio, experimente isso em ocasiões e com aplicações diferentes’”, diz Marcela.
“Minha intenção com a tese era trazer um texto para servir de embasamento teórico e incentivar a busca por adicionar essa lente no trabalho em sala de aula”, conta Marcela. Para ela, a dificuldade, principalmente para professores da rede pública, é o tempo. A defasagem de algumas escolas e currículos faz com que o esforço do professor na administração das turmas e a busca de estratégias de ensino para superar os déficits consumam a maior parte de sua jornada. Segundo o PISA (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), entre os alunos mais pobres, só 3% têm conhecimentos adequados de matemática no Brasil.
Apesar disso, o ensino da Etnomatemática é previsto na BNCC, ainda que indiretamente. Segundo a pesquisa O currículo trivium e a base nacional comum curricular: um enfoque para a etnomatemática de Manoel Lamim Netto e Renata Meneghetti, realizada com auxílio da FAPESP, “existem diversos aspectos convergentes entre os objetivos propostos nas competências específicas de matemática da BNCC e os princípios da Etnomatemática e que uma ação pedagógica”. A tese ainda defende a implementação de um currículo trivium, inicialmente aplicado na Idade Média, mas muito comum nas pesquisas de Etnomatemática, por possibilitar aos professores a exploração das raízes culturais dos alunos com a utilização de abordagens holísticas na gramática, dialética e retórica.
“A gente ainda tem uma cultura muito fechada para a matemática, até para os pais. A matemática é só uma etiqueta, é preciso lembrar que todo conhecimento é multidisciplinar”, ressalta Marcela. Apesar de ser uma ciência muito recente, a Etnomatemática vem ganhando espaço e, para a professora, é uma questão de tempo até que ela seja mais hegemônica. “A exposição está aí, as pessoas só precisam se abrir para explorar essa possibilidade”, relata a pesquisadora.
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