Nos últimos 20 anos, pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP estudam tratamentos e vacinas para a paracoccidioidomicose, também conhecida como PCM, uma micose sistêmica causada pelos fungos Paracoccidioides brasiliensis e Paracoccidioides lutzii. Em novembro do ano passado, os pesquisadores obtiveram resultados promissores com vacinas terapêuticas testadas em modelos animais. O imunizante, quando administrado em conjunto com os medicamentos da doença, reduz a necessidade de grandes quantidades de fármaco, além do tempo de tratamento e da fibrose pulmonar decorrente do processo de cura.
No momento já foram registradas cinco patentes vacinais desenvolvidas a partir de peptídeos sintéticos. Realizadas no Laboratório de Fungos Dimórficos Patogênicos do ICB, as pesquisas consistiram no sequenciamento genômico de proteínas, segmentando-as em vários peptídeos compostos de 15 aminoácidos cada. Esses peptídeos são colocados em contato com células animais previamente infectadas pelo fungo, estimulando uma resposta imune. Depois de compilar os peptídeos mais responsivos, o problema era outro: a aplicação no organismo humano.
“O sistema imune humano é equipado para nos proteger contra corpos externos, como as proteases, responsáveis pela quebra de peptídeos em aminoácidos. Todas as cinco patentes contornam esse problema, seja por meio do uso de nanopartículas — que estabilizam a proteína — seja com o uso de adjuvantes que potencializam a resposta imune frente ao produto vacinal antes que seja degradado”, explica o professor Carlos Taborda, vice-diretor do ICB e chefe do Laboratório de Fungos Dimórficos Patogênicos do ICB. A patente mais recente, no entanto, foi desenvolvida com uma técnica diferente: o fungo é inserido em um macrófago ou em uma célula dendrítica — ambas parte do sistema imunológico —, que fagocitam o fungo e estimulam o desenvolvimento de uma memória imunológica. “Quando os linfócitos começam a apresentar uma resposta ao fungo, congelamos as células e extraímos todos os antígenos que estão sendo apresentados, sequenciando-os para encontrar quais potencialmente estimulam resposta imune”, completa o pesquisador.
Apesar de já existirem tratamentos e curas para a paracoccidioidomicose, o processo é longo e cheio de complicações. Com as vacinas terapêuticas — que, diferentemente das vacinas profiláticas, não previnem a contração da doença, e sim auxiliam no tratamento —, o cenário é outro. “Além de ser um tratamento demorado, de no mínimo dois anos, 60% dos pacientes desenvolvem fibrose pulmonar, decorrente das mudanças no tecido pulmonar que ocorrem no processo de cicatrização”, explica Taborda. “O tratamento medicamentoso funciona, mas, por si só, muitas vezes deixa o paciente incapacitado”.
Além da fibrose como efeito colateral do tratamento, os medicamentos antifúngicos são nefro e hepatotóxicos, o que significa que prejudicam tanto o fígado quanto os rins dos pacientes quando em grandes doses. A administração da vacina terapêutica desenvolvida pelos pesquisadores do ICB possibilitaria a redução desses riscos.
Paracoccidioidomicose: doença negligenciada
A doença é geograficamente restrita a áreas subtropicais da América Latina, causada pelo fungo Paracoccidioides, que pode se apresentar em cinco espécies diferentes. No Brasil, que concentra o maior número de casos, predomina o P. brasiliensis. Sua transmissão está associada a regiões agrícolas e é comumente encontrado nos estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia. Acredita-se que o fungo esteja presente no solo, em formato de bolor. “No momento que alguém ara a terra para plantar, seja manualmente com enxada ou com um trator, o fungo em forma de bolor é levantado pela atmosfera e inalado”, descreve Taborda. Por conta de suas propriedades termodimórficas, o calor corporal transforma o bolor em levedura, que é o formato em que se dá a infecção. Normalmente, os órgãos mais afetados são os pulmões, podendo estender-se para pele, mucosas, linfonodos, adrenais, sistema nervoso central, fígado e ossos.
O diagnóstico é feito de forma clínica e laboratorial, por meio da biópsia de lesões cutâneas ou do escarro do paciente, podendo ser complementado por exames de imagem. O diagnóstico laboratorial é geralmente feito em hospitais e clínicas vinculados a universidades públicas, como a USP, Unifesp e Unicamp. “Os testes de sorologia são testes caros e, por ser uma doença que atinge populações rurais e geralmente mais pobres, as indústrias farmacêuticas raramente têm interesse em vender kits padronizados”, declara o pesquisador.
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