O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) instalou, em fevereiro deste ano, o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), composto por 17 representantes do Poder Executivo e responsável por elaborar a Política Nacional de Direitos Humanos e Empresas do País. Ao abrir as atividades do grupo, o ministro Silvio Almeida declarou que o avanço da pauta da preservação de direitos humanos em ambientes de trabalho é uma das prioridades da atual gestão.
O programa do GTI envolve reuniões, audiências, consultas públicas e apresentação de relatórios técnicos que conduzirão o texto final a ser proposto pela equipe. A Portaria nº 132/2024, publicada em março, apresenta as alternativas para que entidades, especialistas e outros segmentos da sociedade civil participem da construção da política. A previsão é de que o grupo encerre seus trabalhos em julho para que as propostas sejam apresentadas a Silvio Almeida em agosto.
Apesar do progresso da política no Ministério desde o último ano, a agenda de direitos humanos e empresas não é recente no país. Dada a relevância e atualidade da pauta, João Paulo Veiga, professor do Departamento de Ciência Política (DCP) e do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, escreveu, junto a Renata Machado Gomes, servidora pública na área de desenvolvimento de políticas sociais, o estudo Arranjos institucionais para uma política pública de empresas e direitos humanos no Brasil.
O principal objetivo do artigo é apresentar as iniciativas realizadas pelo Governo Federal entre 2015 e 2023 para debater o tema. João Paulo e Renata abordam pontos como a necessidade de envolver representantes de empresas e organizações da sociedade civil na elaboração da política e a demanda pela mudança da mentalidade cultural corporativa em relação ao respeito dos direitos humanos.
Direitos humanos nas empresas
O marco inicial da agenda se dá com o discurso do então presidente chileno Salvador Allende, em 1972, na Assembleia Geral das Nações Unidas. Sua fala aponta as empresas como novas entidades no sistema internacional, capazes de atingir as estruturas políticas e econômicas dos Estados. Nas décadas seguintes, surgem outras iniciativas internacionais em busca da análise dos métodos de trabalho e das atividades de empresas transnacionais. É somente em 2011, porém, que é publicado um dos documentos mais relevantes para a discussão do tema, intitulado 31 Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos das Nações Unidas.
No Brasil, a pauta ganha evidência a partir de 2015, quando o país recebe uma visita do Grupo de Trabalho sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU, composto por especialistas de vários países com a finalidade de orientar os governos na implementação dos Princípios Orientadores. As principais recomendações do grupo ao governo brasileiro foram assimiladas pelo Decreto nº 9.571/2018, que estabelece as Diretrizes Nacionais sobre a agenda pública de direitos humanos no contexto empresarial. Desde então, foram realizados diversos seminários, reuniões interministeriais e artigos para estudar o tema. No entanto, as ações não resultaram na estruturação de uma ampla política nacional que vise a preservação da integridade dos funcionários nas empresas.
Em entrevista à Agência Universitária de Notícias, João Paulo explica o motivo da ausência de resultados efetivos. “Embora a agenda pareça depender unicamente da vontade política para avançar, ela precisa, na verdade, que as ideias de proteção dos direitos humanos e responsabilização pelas violações sejam compradas pelas empresas.” O professor reitera que o governo pode até deliberar normas, mas as políticas não são implementadas se o terceiro setor e as empresas não aderirem aos programas.
Retrocessos na agenda
A terceirização, fenômeno recorrente nas atuais relações trabalhistas e regulado no Brasil pela Lei n.º 13.429/2017, é um fator agravante ao desrespeito dos direitos humanos, segundo João Paulo. A prática consiste na contratação de outra empresa para a realização de serviços específicos dentro do processo produtivo da empresa contratante. Assim, o trabalhador terceirizado, por não ter vínculos empregatícios diretos, perde parte de seus benefícios e se torna mais suscetível à exploração, o que precariza suas condições de trabalho. O especialista aponta as indústrias extrativa e varejista como as áreas que mais presenciam a violação dos direitos humanos nos cenários nacional e internacional.
Além da elaboração da Política Nacional de Direitos Humanos e Empresas, João Paulo indica a concretização da devida diligência em direitos humanos como um dos principais caminhos para o avanço da pauta. “A devida diligência consiste basicamente em fazer uma vistoria das operações realizadas em uma empresa e verificar se ela tem cumprido suas obrigações quanto aos direitos humanos.”
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