Grupo de estudos analisa a fantasia e sua importância

O grupo de estudos tem como símbolo um dragão, criatura clássica da fantasia, apelidado como GEMremias. [Imagem: Montagem por Ana Paula Alves]

O Grupo de Estudos Mitopoéticos (GEM), parte do Grupo de Pesquisa em Produções Literárias e Culturais para Crianças e Jovens III, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo, aborda o mito e fantasia, usando como referência, principalmente, mas não exclusivamente, as obras de John Ronald Reuel Tolkien, autor de O Senhor dos Anéis (1954). Neste sentido, no dia 25 de junho, o grupo realizou um evento no canal do YouTube da FFLCH, nomeado “Jornada de Estudos Mitopoéticos : ‘Monstros e Heróis: Mito, Tolkien e Fantasia’”, onde foram realizadas diversas apresentações que discutiam conceitos e demais análises de obras de fantasia.

Os estudos do grupo e o evento realizado trazem questões importantes sobre o consumo de narrativas de fantasia e o quanto elas podem impactar as pessoas, tanto emocionalmente quanto em sua própria visão de mundo. A doutoranda em Letras pela FFLCH e uma das organizadoras do grupo, Cristina Casagrande, fala sobre a importância que o tema vem conquistando nos segmentos de jovens e adultos em geral. “A ficção voltada para fantasia tem crescido muito, muitas produções são voltadas para adultos ou servem tanto para adultos quanto para crianças, então a fantasia tem sido muito consumida”, destacou ela.

Isso pode ser visto em diversos meios, que abrangem desde literatura, produções de seriados e cinematográficas, até videogames. Como exemplos, pode-se citar as franquias de Harry Potter, super-heróis ou dos jogos The Elder Scrolls, que são produções que ganharam grande sucesso e relevância no meio do entretenimento.

Popularidade e visibilidade do mercado de fantasias 

O encanto da sociedade pela fantasia pode ser motivado por diversas questões. Cristina destaca a importância do mito e da sua presença na fantasia. O mito faz parte da nossa própria construção, segundo Cristina, “a gente sempre explica as coisas pelo mito, pela imaginação, mesmo o pensamento científico passa por ela, a gente cria hipóteses a partir da imaginação e não conseguimos criar nenhum pensamento lógico sem ela”. E a fantasia o contém em si, no sentido em que, a partir de uma narrativa ficcional, ela carrega como fundo a nossa própria realidade e nos leva a realizar grandes questionamentos como: “Quem somos? Para onde vamos? De onde viemos?”, que se relacionam ao autoconhecimento, a uma busca, possivelmente, inconsciente, de entender o próprio destino e a existência.

De forma complementar, essas narrativas também têm caráter de entretenimento, ou seja, são pensadas para levar prazer e divertimento ao leitor ou espectador. Embora envolvam questões complexas, também trazem certa leveza na forma como são abordadas. A doutoranda afirma que “a fantasia envolve o lúdico e diverte. Não nos faz ficar parando para pensar nessas questões, o que é cansativo e pode nos assustar, ela toca nelas de uma forma que a gente nem percebe”.

Outro ponto que ela enfatiza sobre o aspecto fantasia é que esta desperta curiosidade e o desejo de explorar novos conceitos, gerados quando a pessoa se vê diante de um mundo desconhecido. “Ela quer conhecer mais sobre como é a geografia daquele lugar, quais eram suas cantigas, sua língua ou como eram construídos os edifícios”, o que acaba sendo mais um fator que faz com que as pessoas criem uma grande imersão em histórias de fantasia e nos mundos em que elas se passam.

Dimensão da fantasia na vida real

As histórias de fantasia podem ter ações profundas na vida das pessoas, gerando marcas emocionais, trazendo novas ideias ou inspirações para a tomada de decisões. É possível observar isso quando se pensa os conceitos de “herói e vilão”.

As pessoas podem procurar na vida real heróis em que possam acreditar, assim como vilões para detestar, porém Cristina diz que essas imagens podem ser diferentes quando aplicadas à realidade. 

“A gente procura um herói em um ícone político ou religioso, mas isso não vai ser encontrado na vida real, em pessoas comuns”, ela afirma. Assim, o ideal de heroísmo que a fantasia traz não se apresenta como uma pessoa em si, mas sim em atitudes que se inspiram no que são consideradas virtudes heróicas, como ser fiel aos seus princípios, mesmo que ninguém veja ou cumprir seus deveres, mesmo que sejam tarefas difíceis, esse seria o herói do dia-a-dia.

O ideal de vilão também passa por adaptações quando se discute a sua representação na vida real. Segundo a doutoranda, “existem os vilões simbólicos, a própria pandemia pode ser encarada como um grande vilão”, pensando em algo que gera sofrimento para as pessoas. “Existem também vilões políticos, que dependem das necessidades de cada grupo ou indivíduo”, assim, ideologias ou discursos que, sob alguma perspectiva, levam a algum mal, também podem ser vilanizados. 

Além disso, esses ideais também ajudam a perceber o “vilão interior” e o conflito interno gerado por ele. “A fantasia tem mostrado que a gente traz o vilão e o herói dentro da gente, é uma luta interna”, diz Cristina, o que se volta novamente para um autoconhecimento e uma inspiração para agir de forma mais “heroica”.

A fantasia também pode ter influência em causas e discussões políticas e sociais. Existem produções que já são pensadas de forma a realizar uma crítica ou trazer uma ideia sobre esses assuntos. Nesses casos, um dos objetivos do seu criador é incentivar o público a refletir sobre aquilo ou até que seja levado a agir com base nessa reflexão. E ainda que o criador não tenha essa intenção consciente, sua obra pode tocar nessas questões, dependendo da interpretação de quem a consome. 

Cristina destaca também a importância de considerar os vários significados que uma única obra pode trazer. “A gente pode fazer algumas interpretações diante das obras. Às vezes, o próprio autor coloca a obra de uma forma mais direcionada e alegórica, mas ainda assim, temos que lembrar que a obra é passível de muitas interpretações. Quanto mais rica a obra for, mais múltipla ela é em seus significados”. 

Dessa forma, a obra não se limita apenas à intenção de quem a construiu, sua recepção também forma seu sentido. Ela pode trazer diversas inspirações e engajamentos diferentes, tanto no âmbito pessoal quanto no social, sem impor uma interpretação única e tendo diversos aspectos distintos a serem considerados.

A fantasia, assim como outras obras de ficção em geral, anda paralelamente com a realidade, influenciando e sendo influenciada por ela. “A ficção espelha a sociedade, demonstra como ela está, mas também propõe coisas novas, tem um papel transformador. É uma via de mão dupla”, explica Cristina Casagrande. As produções fantásticas têm, portanto, influência e relevância em diversas áreas da sociedade, tanto econômicas, devido ao grande sucesso atingido em diversas mídias, quanto culturais, em relação à forma como afetam seus leitores ou espectadores. 

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