Garantia da saúde dos trabalhadores da Fundação Casa passa por mudanças estruturais

Apesar de ter como objetivo promover protagonismo dos jovens, instituição apresenta problemas históricos que dificultam esse processo

Mudanças estruturais são essenciais para a promoção de uma melhoria do funcionamento de centros socioeducativos. [Imagem: Marcos Santos/USP]

O Brasil tem cerca de 11.500 adolescentes cumprindo medidas socioeducativas nas modalidades de restrição e privação de liberdade, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Ministério dos Direitos Humanos. Um levantamento a respeito dessa temática não era realizado há 6 anos, fator que revela a ausência de políticas públicas nessa área. Nesse contexto, a pesquisa foi apresentada em um evento que fazia parte de uma celebração dos 75 anos da Declaração dos Direitos Humanos. Durante o evento, também foi revelado que cerca de 63,8% dos adolescente que se encontram em privação de liberdade são negros e 95,6% são meninos. 

Do número total de jovens, aproximadamente 9.656 cumprem medida socioeducativa de semiliberdade e internação, 1.786 estão em fase de internação provisória e 222 estão no regime de internação sanção — medida utilizada quando o adolescente não cumpre medida socioeducativa imposta anteriormente. O debate sobre essa temática ganhou mais atenção com a proposta de formação de uma Parceria Público-Privada (PPP) da Fundação Casa no Estado de São Paulo — ação que gerou uma comoção entre os trabalhadores da instituição. 

O descontentamento dos funcionários da Fundação Casa, no entanto, não é recente. As condições de trabalho desses indivíduos foram o tema central da pesquisa Socioeducação ou contenção? O Laboratório de Mudanças para a promoção da aprendizagem expansiva dos trabalhadores em um centro de atendimento da Fundação Casa de Luciana Pena Morgado, socióloga e pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo. 

Conflitos e adoecimento

O estudo desenvolvido por Luciana possui uma abordagem teórica e metodológica que busca alcançar a aprendizagem expansiva. A pesquisadora explica que quando começou seu doutorado tinha interesse em ser orientada pelo professor Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela, que atuava em um projeto de pesquisa baseado em um método denominado como “Laboratório de Mudanças”. 

A pesquisadora destaca que alcançar o espaço de trabalho dessas pessoas não é fácil e, por isso, o estudo contou com apoio do Ministério Público para ser realizado. Apesar do suporte, Luciana aponta que a realização do trabalho de campo — feito por um ano — mostrou-se desafiador por conta da necessidade de frequentar um ambiente que não era familiar. “Nunca tinha entrado em um Centro de Atendimento, por isso, para mim foi uma experiência muito diferente. Além disso, a Fundação Casa é um local hostil, né? Com muitas grades e que tem toda uma questão do controle”, aponta. 

Durante esse período, a estudiosa relata que observava o convívio dos jovens com os trabalhadores do local e realizou diferentes entrevistas para formular uma coleta de dados consistente. Todos os trabalhadores da unidade pesquisada foram entrevistados por Luciana como forma de compreender quais eram os principais conflitos laborais e como eles poderiam colaborar com o desenvolvimento de doenças entre os trabalhadores. Os questionários formulados pela pesquisadora tinham como objetivo entender a relação dos funcionários entre si, mas, também, com os meninos e com o próprio sistema socioeducativo — que, em alguns casos, apresentava condições precárias que dificultavam a ação dos trabalhadores. 

Maioria dos jovens que cumprem medida socioeducativa na Fundação Casa apresenta infrações com relação ao tráfico de drogas. Imagem: Divulgação/ Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo

A maioria dos jovens que cumprem medida socioeducativa na Fundação Casa apresentam infrações com relação ao tráfico de drogas. [Imagem: Divulgação/ Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo]

Ramificações

Apesar da metodologia utilizada pela especialista buscar avaliar a saúde dos trabalhadores desse setor, Luciana destaca que o seu objetivo central é auxiliar o aprendizado desses indivíduos e não apenas diagnosticar os problemas envolvidos nesse debate. “Esse ano em que fiquei em campo foi o primeiro passo. A gente fez várias atividades com trabalhadores voluntários — na medida em que eles podiam sair do plantão — para envolvê-los, para que houvesse o reconhecimento de um problema e para juntos investigarmos isso a fundo”.

No decorrer desse processo, a pesquisadora também conversou com os jovens que frequentavam a instituição. A partir desse processo, foi possível compreender que a Fundação Casa possui um papel marcante de controle social que, em alguns momentos, supera a sua função socioeducativa. Nos últimos anos, algumas mudanças foram realizadas, como a integração de equipes multidisciplinares que compreendem as diferentes necessidades dos jovens. Contudo, o sistema como um todo ainda não foi capaz de incorporar todas as mudanças necessárias.

Outro ponto importante abordado por Luciana refere-se aos malefícios que o próprio ambiente atribui aos trabalhadores, uma vez que pesquisas apontam que a convivência com um ambiente hostil, marcado pela presença de concreto e grades, é prejudicial para a saúde mental e fisiológica dos indivíduos. Por fim, a pesquisadora destaca a necessidade de formação de uma equipe de referência multidisciplinar, juntamente com a realização de mudanças práticas nas condições de trabalho — com a promoção de uma jornada mais justa, com o aumento dos salários desses funcionários e maior valorização dessas atividades.

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