Os últimos oito anos foram os mais quentes da história. É o que aponta o estudo anual (2023) sobre o clima, feito pela Organização Meteorológica Mundial. Os efeitos das mudanças climáticas são sentidos há anos, mas pioraram nos últimos tempos, com um maior número de inundações, secas, e ondas de calor.
As mudanças são vistas em escala global e têm impacto direto na saúde populacional, principalmente dos mais vulneráveis, que são as crianças, os idosos e pessoas com comorbidades no geral, que sofrem com alterações bruscas de temperatura e situações extremas.
Essas diferenças também podem ser sentidas em menor escala, como mostra a dissertação de mestrado A influência dos fatores meteorológicos na mortalidade em idosos para três cidades do Estado de São Paulo: Perspectivas no clima futuro, da climatologista Franciele Barros, defendida no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP.
Os resultados mostram que em períodos frios há um aumento na taxa de mortalidade em idosos para as três cidades analisadas – Campos do Jordão, Ribeirão Preto e Santos –, com a maior parte delas sendo de doenças cardiovasculares. O frio mata, em tese, mais pessoas que o calor.
“Uma mudança brusca no clima pode alterar e desencadear qualquer doença, seja uma gripe, um resfriado. Nos idosos, se eles já apresentarem problemas de saúde relacionados à doenças cardiovasculares (DCV) e respiratórias (DRSP), essa mudança pode aumentar os casos de morbidade e mortalidade”, diz Franciele. Morbidade diz respeito ao conjunto de indivíduos que adquirem doenças em dado intervalo de tempo, enquanto mortalidade é um índice demográfico que indica o número de mortes registradas.
Campos do Jordão foi a cidade com o maior número de óbitos por doenças cardiovasculares e respiratórias em dias considerados “muito frios” e “frios”. Santos e Ribeirão Preto apresentam uma maior frequência de mortalidade em dias “ligeiramente frios” e “confortáveis”, porque são cidades mais quentes. As diferenças de resultados são consequência de diferenças nos climas de cada cidade, influenciados pela latitude, altitude, maritimidade e continentalidade.
De acordo com os dados da pesquisa, no período de 1996 a 2017, levando em consideração a temperatura e o conforto térmico, Campos do Jordão apresentou 277 mortes por DCV e 113 por DRSP em dias considerados “muito frios”. Em dias “frios”, esse número chegou a 547 e 194, respectivamente. Em dias “quentes” e “muito quentes”, não houve registro de óbito.
Em Ribeirão Preto, seguindo a mesma comparação anterior, em dias considerados muito frios houve 87 mortes por DCV e 31 por DRSP, enquanto em dias frios o montante pulou para 735 e 304, respectivamente. Em dias quentes e muito quentes não houve registro de óbito.
Santos também registrou número de óbitos altos nesses mesmos parâmetros, com 12 mortes por DCV e 7 por DRSP em dias “muito frios” e 639 e 260, respectivamente, em dias “frios”. Em dias quentes e muito quentes não houveram óbitos, mas em dias “quente moderado” a cidade registrou 138 óbitos por DCV e 48 por DRSP.
A diferença no número de mortes entre “muito frio” e “frio” pode ser explicado pela quantidade de dias com essas temperaturas: são muito mais dias frios que muito frios nas três cidades, o que aumenta o número de mortes em dias frios.
O motivo desse aumento seria diferente para cada lugar analisado: os menores valores de temperatura média e os índices de conforto humano podem contribuir para a mortalidade em Campos do Jordão. Em Santos, isso pode estar associado à diminuição da velocidade do vento, aliado a altas temperaturas e umidade. O aumento da mortalidade em Ribeirão Preto está relacionado a baixas temperaturas e ar seco.
Estudos anteriores ao de Franciele já traçaram uma relação entre morbidade e mortalidade em idosos por conta da capacidade reduzida de termorregulação associada ao processo de envelhecimento. “Ninguém está imune, só que o problema aqui para pessoas mais idosas é que esse tipo de desencadeamento pode ser mais forte e estar associado a alguma doença que ela já tenha”, diz.
Em idades avançadas, o processo de termorregulação é menos eficiente. Esse processo é responsável por manter o conforto térmico nos seres humanos – diretamente relacionado com a temperatura do ar – que influencia na temperatura corporal.
Em climas frios, o corpo reage por meio da vasoconstrição, para evitar a perda de calor. Idosos têm uma menor resposta vasoconstritora, permitindo a perda de calor. Em climas mais quentes, o corpo age para se resfriar por meio do mecanismo de vasodilatação. Da mesma forma, nessa idade esse mecanismo é restrito, e os vasos dilatam menos, o que leva a acúmulo de calor e transpiração mais lenta. Isso pode ocasionar distúrbios cardiovasculares e respiratórios.
A pesquisa também aponta para outros fatores que afetam a saúde humana e que estão relacionados a eventos climáticos extremos, como aumento das chuvas, deslizamentos, furacões, inundações, e as doenças psíquicas, como depressão e ansiedade.
Perspectivas para o futuro
Nos últimos 12 anos, a população de 65 anos ou mais do país teve uma alta de 57,4%. Hoje eles são mais de 22 milhões e a proporção é de 80 pessoas idosas para cada 100 crianças, aponta o Censo 2022. Se a piora das mudanças climáticas se concretizar, os sistemas público e privado ficarão sobrecarregados com o aumento das doenças causadas pelos eventos climáticos extremos.
Nas simulações para o futuro, a pesquisa indica um aumento da temperatura e dos índices de conforto térmico em todas as três cidades, que refletem um cenário mundial. “Vai ter um aumento da temperatura e das ondas de calor, assim como o aumento de extremos em todos os sentidos”, diz.
Isso significa que, mesmo com o aquecimento global, ainda haverá preocupação com as temperaturas mais baixas e com as frentes frias. “Apesar de acontecer mais ondas de calor, as ondas de frio ainda vão continuar acontecendo e vão continuar matando mais pessoas, só que a quantidade dessas ondas vai ser menor.”
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