O ano de 2023 foi marcado por episódio decisivo para o conflito que existe há 76 anos no Oriente Médio. No dia 7 de outubro, Israel declarou guerra à Palestina, logo após um ataque relâmpago liderado pelo Hamas, grupo islâmico que atualmente governa a Faixa de Gaza, e por outras organizações armadas. Segundo Osvaldo Coggiola, pesquisador e professor de História Contemporânea da USP, a ação se configura como uma retaliação às quase oito décadas de dominação do Estado israelense, e foi legitimada dentro da Palestina por uma ampla coalizão política. Israel, apoiado pelos Estados Unidos e pela União Europeia, define esse acontecimento como um ato isolado coordenado por uma organização terrorista, ponto de vista que Coggiola considera equivocado e refuta em seu artigo Fontes da Resistência Palestina.
Desde 1947, quando a Palestina começou a ser repartida devido à deliberação da Organização das Nações Unidas (ONU), que autorizou a formação do Estado de Israel, os palestinos reivindicam o fim da invasão e colonização de seu território. Nem eles, nem outros países árabes, como o Egito, a Síria, a Jordânia, o Iraque e o Líbano, concordaram com essa decisão que capturou 55% do antigo território da Palestina e o concedeu a Israel. Com o tempo, o governo israelense estruturou uma ocupação militar e este número aumentou: hoje, Israel detém quase a totalidade da região, enquanto mais de dois milhões de palestinos vivem comprimidos na Faixa de Gaza. Uma das forças que surgiram para lutar contra esse cenário foi o Movimento de Resistência Islâmica, que deu origem ao Hamas na década de 90, como aponta Coggiola.
Da resistência palestina às bancadas legislativas
O pesquisador afirma que as raízes do Hamas não remetem a qualquer espécie de “terrorismo islâmico”, como denominam Israel, os Estados Unidos e a União Europeia. Em seu artigo, Coggiola recorre à historiografia para explicar que a situação na Palestina não se trata de uma guerra entre o Estado israelense e uma organização terrorista. Na realidade, o Hamas, no contexto de sua fundação, foi promovido por Israel, que via o apoio como uma maneira de boicotar a principal liderança de resistência da época, a Organização pela Libertação da Palestina (OLP). Neste período, a OLP era o movimento considerado terrorista, enquanto o Hamas era visto com bons olhos por Israel, já que poderia ser uma estratégia para enfraquecer a luta palestina, pontua o professor.
Com a decadência política da OLP e com as posições dos países árabes de apoio estratégico a Israel, o Hamas ganhou o apoio das massas e se tornou a principal força de defesa palestina. Em 2006, ao conquistar 74 das 132 bancadas, o grupo islâmico venceu as eleições legislativas da Palestina e se tornou o governo eleito da Faixa de Gaza, além de se consolidar oficialmente como a oposição à invasão israelense. Desde então, o Hamas adota uma política de resistência à agressão para lutar contra os ataques militares e as leis discriminatórias impostas por Israel, explica Coggiola. A ofensiva de outubro de 2023 é parte dessa política: “Não foi uma ação isolada, foi uma ação de um governo eleito. O que temos é uma situação de guerra entre o governo eleito pela população palestina e o Estado sionista”.
Realizando um paralelo com a obra de Frantz Fanon, um dos principais pensadores do anticolonialismo, Coggiola se refere, na conclusão de seu artigo, ao povo palestino como os “condenados da terra do século XXI” — ou seja, os principais alvos do colonialismo nos dias de hoje. Segundo o professor, o cenário atual de crescente expansão territorial de Israel, que confisca casas e propriedades palestinas e torna pública sua intenção de anexar a Cisjordânia, expulsar toda a população desse território e acabar com qualquer possibilidade de governo palestino independente, configurou uma “situação desesperante”. Diante disso, a iniciativa militar do Hamas, junto a outras frentes políticas da Palestina, se tornou a forma de enfrentamento dessa situação, conclui o pesquisador.
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