Na França, os primeiros dias de 2023 foram marcados por protestos contra a mudança da idade de aposentadoria de 62 para 64 anos — uma medida promovida pelo atual presidente do país, Emmanuel Macron. Mas, a insatisfação generalizada da população com as políticas neoliberais do governo não começaram neste ano. O ápice das revoltas populares no país aconteceu entre novembro de 2018 e o início de 2019, quando surgiu o movimento dos Coletes Amarelos, explica Rafael Schritzmeyer Ribeiro, estudante da USP que viveu os três primeiros meses de manifestações e decidiu transformar as experiências em uma pesquisa de Iniciação Científica, a qual resultou no livro 90 Dias com Colete Amarelo.
Há cinco anos, o aumento dos preços do combustível, proposto por Macron e seu Ministério de Transição Ecológica, resultou na eclosão de um movimento que “ressignificou toda a forma de protesto na França”, afirma Rafael. Um grupo de pessoas consideradas “caipiras” e que, no geral, nunca havia protestado, passou a organizar manifestações radicalizadas e assembleias diretas. Esse grupo, denominado Coletes Amarelos, não só fez o governo recuar, como também obteve conquistas para além das demandas estabelecidas.
Dentro da França, o colete amarelo é um traje de segurança obrigatório para os motoristas, que foram as figuras centrais das primeiras manifestações. Por esse motivo, a vestimenta se consagrou como símbolo histórico de luta e deu nome ao movimento. Rafael participou dos protestos em cinco cidades: Paris, Bordeaux, Nice, Nantes e Poitiers. Ele relata que os Coletes Amarelos conseguiram invadir um ministério, quebraram lojas do McDonald’s, incendiaram uma prefeitura e pegaram armas da polícia. Naquele momento se instaurava uma revolta civil no país, constata Rafael.
Nova dinâmica de manifestações
Segundo o pesquisador, com a chegada do movimento, a dinâmica política que predominava no contexto francês mudou: “Os protestos contra impostos eram, geralmente, de extrema-direita, liberais, que defendiam menor participação do Estado. Os Coletes Amarelos fizeram exatamente o contrário: eles queriam que os impostos não fossem para os pobres, e sim que fossem para as fortunas”. Além disso, as pautas ambientais, passaram a adotar um recorte social que antes era inexistente. “Pela primeira vez, foi feito um movimento que aliou o fim do mês e o fim do mundo. Para eles, a luta pelo ambientalismo não poderia ser feita de uma forma que escanteasse o pobre e fizesse com que ele pagasse toda a conta”, diz.
Rafael combinou relatos de suas vivências durante os protestos na França com as análises que fez após retornar ao Brasil. Assim, realizou uma pesquisa, dividida em três capítulos, que buscou compreender os diferenciais e a originalidade dos Coletes Amarelos. Ao se deparar com mulheres analfabetas na linha de frente das manifestações, o pesquisador concluiu que se inaugurava um movimento que colocava no protagonismo do jogo político um novo segmento da população. “Eles colocaram toda uma população num processo de politização ativo, porque as pessoas não se organizaram num partido político para conseguir voto, pelo contrário. Eles não queriam aquilo, então, se organizaram de uma maneira completamente dissidente”, aponta.
Em janeiro deste ano, cidadãos vestindo coletes amarelos foram às ruas contra o projeto da Reforma da Previdência, mas, as manifestações não alcançaram a mesma força do apogeu de 2018 e 2019. Mesmo com os protestos, a reforma foi promulgada por Macron em abril. Rafael atribui uma das causas dessa redução do poder de mobilização à nova estruturação dos Coletes Amarelos. “Eles começaram a se organizar, deixaram de ser uma coisa difusa e definiram uma linha política. Isso exigiu mais das pessoas”, afirma. Ainda assim, o pesquisador considera os Coletes Amarelos como um movimento muito bem sucedido: “Provavelmente acabou a antiga forma de organização e não vai voltar. Mas, uma boa parte ali agora tem uma cultura política e vai continuar participando de novos protestos”.
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