As profundezas dos oceanos ainda são um ambiente desconhecido para a humanidade. Estima-se que menos de 5% das águas oceânicas tenham sido exploradas, e os conhecimentos que se escondem no mar permanecem por muito tempo em segredo — até que pesquisadores os revelam. A tese de doutorado de Aline Zanotti, pesquisadora do Centro de Biologia Marinha (CEBIMar) da USP e da Universidade Federal do Paraná (UFPR), cumpre esse papel e joga luz sobre um tema até agora pouco estudado: o microbioma de corais do mar profundo.
Considerado uma pesquisa de base, isto é, responsável por gerar fundamentos que servirão para a construção de outras teses, o estudo aborda dois assuntos não tão recorrentes — a zona de mar profundo (que, nesse caso, compreende a região a mil metros de profundidade, mas que se inicia por volta dos 150 metros e já teve espécies de corais registradas a mais de 6 mil metros) e o microbioma dos corais. “Os microbiomas não são só as bactérias, são também as arqueias e outros microrganismos que formam uma comunidade em um ambiente”, explica Aline.
A falta de trabalhos na área deve-se, em parte, à dificuldade em conseguir material para pesquisa em locais de baixa acessibilidade como é o mar profundo. Muitos dos espécimes usados por Zanotti no projeto, como os vindos dos mares da Nova Caledônia e do Atlântico Norte, já se encontravam no CEBIMar — alguns graças a estudos anteriores de Marcelo Kitahara, professor do Centro e orientador de Aline. “Algumas vezes, só tinha um indivíduo de uma espécie para estudar e não conseguia relacionar informações, então tinha que descrevê-lo”, conta a pesquisadora. Mas mesmo esse empecilho não impediu o estudo de apontar dados interessantes.
Estudar o micro para compreender o macro
Aline explica que cada organismo vivo possui em si um conjunto de bactérias específicas a depender de sua espécie e de outros pontos, como o local em que aquele animal habita. Mas o estudo notou que, ainda que o ambiente influencie em quais microrganismos são encontrados nos espécimes observados, ele não é um fator completamente determinante. Corais de mar profundo e de águas rasas, apesar das discrepâncias notáveis nos ambientes em que estão, apresentam semelhanças consideráveis em seus microbiomas — indicando que os grupos de micróbios que se associam a eles estão relacionados também à evolução dos corais como antozoários. Isso aponta novos horizontes para a pesquisa em genética, que já está sendo realizada no Centro.
Descrever esses microbiomas e compreender a relação entre eles e seus hospedeiros pode ainda ser um passo importante na preservação das espécies marinhas. Ter conhecimento dessa relação entre os microrganismos e seus hospedeiros auxilia a comunidade científica a prever como eles se comportarão frente a algumas situações. “Isso nos ajuda a lidar não só com a questão do aquecimento global, mas com as ações antrópicas, como o despejo de esgoto nas águas, com a poluição”, conta. Além disso, Aline defende a ideia de que entender mais a fundo os microrganismos presentes em outras espécies é também uma maneira da humanidade conhecer melhor os aspectos da própria evolução — pois a metodologia usada no estudo dos corais, por exemplo, e a experiência adquirida no processo de realização desse trabalho podem ser, de certo modo, adaptadas para a pesquisa sobre outros integrantes da fauna e mesmo sobre o ser humano.
Agora, enquanto aguarda a publicação de sua tese, Aline planeja os próximos passos do seu trabalho: “Quero estudar as funções que cada microrganismo exerce nos corais, se ajudam na alimentação, na proteção.” Ela também pretende expandir a pesquisa para realizar descrições de microbiomas de outras espécies — como os encontrados em intestinos de alguns peixes — e continuar a explorar a área da história evolutiva dos corais.
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