As três décadas decorridas entre 1991 e 2020 foram marcadas por uma transformação no ingresso ao ensino superior: a expansão de matrículas, aliada a promoção de políticas inclusivas, refletiu no aumento da demanda e da oferta de vagas, nos setores público e privado, e na consequente diversificação do perfil do corpo acadêmico.
Entretanto, à medida que se concretizava a democratização do acesso ao ensino terciário, foi se edificando, simultaneamente, um ensino superior cada vez mais disputado, demandado e prestigiado. É esse o cenário sobre o qual Adriano Senkevics, doutor em educação pela USP, se debruçou para a elaboração de sua tese: O acesso, ao inverso: desigualdades à sombra da expansão do ensino superior brasileiro.
O que instigava o então doutorando era entender os processos de transformação que ocorreram no período dos últimos 30 anos para que um paradoxo se impusesse : embora a expansão do acesso ao ensino superior tenha, de fato, ocorrido, muitos foram excluídos dela, reflexo de um cenário nacional ainda muito marcado pela produção e reprodução de inúmeras desigualdades.
O pesquisador então decidiu se dedicar ao estudo das “sombras” e fazer uma análise aprofundada de questões marginalizadas pela pesquisa nacional, que se deteve, predominantemente, em cobrir os triunfos das políticas de expansão. “Eu queria entender um pouco do lado reverso disso, pensar nas pessoas que não foram contempladas por essas políticas de acesso”.
Subvertendo tal tendência de cobertura, o pesquisador buscou avaliar quais estruturas e acontecimentos no panorama nacional, desde a redemocratização, fizeram com que barreiras ainda se impusessem entre muitos jovens e a porta de entrada ao ensino terciário.
Caracterizado pelo autor como segundo ciclo de expansão, os estudos dos três decênios de amplificação do acesso foram guiados no sentido de encontrar respostas para a pergunta: qual o peso da origem social e do desempenho sobre as probabilidades de ingresso no ensino superior, em pleno auge da expansão?
Entre as muitas respostas que circundam a questão, o doutor ressalta algumas que estão localizadas nas mudanças na composição da demanda por ensino superior. Para tanto, ele traz um dado a respeito da taxa de conclusão do ensino médio, inalterada nos últimos trinta anos : cerca de 25% dos estudantes não concluem a última etapa do ciclo básico de ensino. “Hoje quem não termina é um perfil mais pobre, mais vulnerável do que antigamente, nessa questão podemos observar uma evolução, mas continuou existindo uma retenção importante no ensino médio brasileiro”.
Outra característica marcante do cenário educacional brasileiro, trazida à luz por ele, foi a disparidade entre os níveis de defasagem dos alunos, questão que também se sobressai nesse panorama. “Alguns jovens saem muito mais preparados do que outros, esse é um aspecto amplamente conhecido do Brasil, eu trago dados mais empírico sobre isso”
A partir dessas considerações de natureza empírica, Senkevics desenvolveu um painel de acompanhamento, no qual sondou 20 jovens durante cinco anos (2012-2017) consecutivos após o egresso do ensino médio.
O objetivo, com isso, foi obter as seguintes informações : quais deles concluíram o ensino médio; realizaram ou não a prova do ENEM e qual foi a nota dos que prestaram o vestibular, e quais ingressaram na universidade.
A partir das informações foi possível construir uma representação da trajetória de cada um, uma inovação trazida pela tese. “Essa foi a principal contribuição do trabalho: um acompanhamento longitudinal que cruza três bases de dados, advindos do INEP” [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira].
Método de análise
Para o estudo do cenário, ao longo da trajetória de produção da tese, Adriano Senkevics desenvolveu uma metodologia mista pautada por três diferentes níveis de análise. Macro, meso e microssociológico. Os dois primeiros de origem qualitativa e o último de natureza quantitativa
No nível macro, o pesquisador mobiliza dados do INEP e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para caracterizar as mudanças de demanda e oferta de vagas durante o período de 1990 a 2020.
No nível meso, há um aprofundamento de investigação a partir do acompanhamento de jovens durante os 5 anos após a conclusão do ensino médio e do cruzamento de bases de dados.
Já o nível microssociológico se traduziu em uma pesquisa quantitativa, realizada em 2018 no Distrito Federal, através da aplicação de questionários em cursos pré-vestibulares comunitários, com o objetivo de selecionar 20 jovens para entrevistas semiestruturadas para coleta de relatos a respeito de suas expectativas em relação ao ingresso no ensino superior.
Reconhecimento do MEC
A tese Acesso, ao inverso: desigualdades à sombra da expansão do ensino superior brasileiro foi reconhecida com dois prêmios da CAPES, uma iniciativa do Ministério da Educação (MEC) em união com a Cooperação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, nas categorias de Educação e na área de Humanidades dentre 1.266 inscritos no programa.
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