A produção de calçados apresenta um impacto significativo no meio ambiente, e a utilização de materiais biodegradáveis se destaca como alternativa para a implementação da sustentabilidade nesse setor. Esse foi o objeto que moveu uma pesquisa de mestrado recente pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP), com intuito de analisar o design circular.
Palloma Renny, designer de calçados e mestre em Moda e têxtil, após anos de estudo e de experiência profissional na área da moda, incomodou-se com o mercado fast fashion – isto é, moda rápida, de aumento do consumo e também do descarte de roupas. Ela lançou sua própria marca de calçados sustentáveis, Palomita, mas pausou seus negócios para buscar mais embasamento científico para redução de impactos ambientais do setor calçadista. Em 2020, iniciou seu mestrado, aprofundando-se em temas relacionados ao fechamento do ciclo biológico de materiais dentro da economia circular, isto é, que “abrem e fecham” o ciclo com biomateriais alternativos.
O calçado apresenta entraves para seu descarte final. Esse produto tem muitos componentes, que podem chegar a até 40 materiais vindos de diferentes fontes, como plástico, metal e têxteis, e o tratamento desses resíduos é, até agora, inacessível. Palloma explica: “A economia circular se divide em dois caminhos: a reciclagem técnica e a reciclagem biológica. A primeira é inviável exatamente por essa diversidade de materiais; a segunda é esse setor de fechamento do ciclo biológico”.
Máximo aproveitamento
A proposta abordada pela pesquisadora foi a reciclagem biológica. Por isso, ela decidiu investigar materiais biodegradáveis que podem ser usados nos calçados para substituir os componentes de origem petroquímica. A pesquisa foi pensada para criar uma “unidade” de materiais, com alguns materiais biodegradáveis, para viabilizar o processo do descarte final e ter um fechamento do ciclo dentro do setor do calçadista.
O estudo foi ambientado em Pernambuco, onde Palloma observou o desenvolvimento de couro caprino e a geração de resíduos de jeans. O processo de curtimento desse couro, proveniente de ovelhas, cabras e bodes, conta com processos de menor impacto ambiental e máximo aproveitamento. Além disso, pensando na reutilização de resíduos têxteis do jeans, a pesquisadora desenvolveu parte de um calçado com esses sedimentos, demonstrando que era possível serem base para outros produtos, fechando o ciclo do jeans e entrando no ciclo do calçado.
Diante dos resultados, foram identificados materiais biodegradáveis já disponíveis no mercado e o possível desenvolvimento de novos biocompósitos, isto é, materiais para serem biodegradáveis ao final do ciclo de vida e que já venham de outro ciclo. Foi constatado, então, que o desenvolvimento de um sistema circular do material utilizado nas produções calçadistas, com um máximo aproveitamento, pode tornar-se base para essa indústria.
Ciência aliada à moda
Porém, a pesquisadora pontua que materiais biodegradáveis para o setor calçadista é pouco pesquisado e, em sua maioria, as pesquisas são recentes. A importância desses estudos é notável dada a tendência em temas relacionados à sustentabilidade. “Quando a gente fala de sustentabilidade, é fundamental a união da ciência com a moda para poder ter um embasamento verdadeiro, pois há muito a prática do Greenwashing”, explica.
Essa prática corresponde ao ato de divulgação falsa por parte das empresas, que afirmam nas publicidades que seus produtos são sustentáveis ou colocam informações indevidas nos rótulos, por exemplo. “Principalmente na moda, as pessoas falam que a produção é sustentável, mas quando questionadas, nem sabem o que é sustentável e quais materiais estão sendo usados. A ciência é aliada nesse processo”, explica Palloma.
A pesquisadora emendou em pesquisa de doutorado. Seu objetivo é observar o mercado e investigar a disponibilidade desses materiais identificados como possíveis substitutos dos materiais tradicionais. Sua abordagem, agora, irá enxergar a acessibilidade desses matérias, tanto em disponibilidade quanto em custeamento para a indústria calçadista.
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