Pesquisa de mestrado feita na Faculdade de Saúde Pública (FSP-USP) investiga os desafios do trabalho interprofissional de profissionais dos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) durante a pandemia de COVID-19. O estudo se centrou em um CAPS localizado na capital do Mato Grosso e revelou que os problemas que estavam presentes na estrutura e funcionamento da unidade de saúde foram evidenciados e aprofundados com o surgimento da pandemia.
De acordo com o Ministério da Saúde, o CAPS é um serviço comunitário que atende pessoas em sofrimento psíquico ou que possuem algum transtorno mental, incluindo dependentes de álcool e outras drogas ilícitas. A equipe de profissionais das unidades presta atendimento para recuperação psicossocial dos pacientes e de suas famílias.
Para a realização do estudo, o pesquisador e psicólogo Felipe Aureliano Martins acompanhou a rotina de um CAPS em Cuiabá durante os meses de junho a setembro de 2020 e realizou entrevistas com os profissionais do local sobre as condições de trabalho antes e após os primeiros casos de coronavírus.
Foi constatado que muitos dos enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais não entendiam a importância nem o significado da interprofissionalidade no serviço do CAPS, conceito que deveria conduzir todo o funcionamento da unidade. “Nem a gestão nem os profissionais têm noção do que seria o interprofissional. A constituição do serviço em si é multiprofissional, porque ela é composta por vários profissionais, mas a atuação desses profissionais tem que ser pautada pela troca”, explica Martins.
Os poucos momentos em que a troca de conhecimentos era realizada se resumiam aos estudos de casos e as reuniões de equipe. No entanto, com a pandemia e a necessidade de evitar aglomerações, essas atividades ficaram suspensas, assim como os atendimentos em grupo realizados pelos profissionais e os usuários dos CAPS.
Efeitos da COVID-19 no funcionamento do CAPS
A disseminação do coronavírus também afetou fortemente vários aspectos do funcionamento do Centro. O principal deles foi o revezamento das equipes e o afastamento de profissionais, gerando ainda mais sobrecarga para os trabalhadores do local. Além disso, os atendimentos passaram a ser feitos por meio de telefonemas individuais, tornando o trabalho mais complexo para os profissionais que, anteriormente, faziam atividades grupais para atenderem a alta demanda da unidade.
Outro fator importante foi a impossibilidade de encaminhamento de pacientes para outras unidades de saúde que também fazem parte da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). A RAPS envolve diversos serviços da saúde pública em prol do cuidado com a saúde mental dos brasileiros. Nesse caso, muitos dos indivíduos que buscavam o CAPS poderiam ser atendidos em Unidades Básicas de Saúde (UBS), por conta de condições que extrapolavam o sofrimento psíquico. Porém, eram encaminhados das UBS para o Centro de Atenção Psicossocial devido a sobrecarga das UBS com casos de COVID-19.
Por fim, Martins destaca que a pandemia também afetou fortemente a saúde mental dos próprios profissionais e, consequentemente, seus atendimentos. “Mais do que o medo de se contaminar com o vírus, é o medo de levar para casa e passar para alguém”, conta o pesquisador. Com o medo e com a sensação de afastamento causadas pelo distanciamento e o uso de equipamentos de proteção individual (EPI), o vínculo com os pacientes, essencial para o cuidado, não era estabelecido.
Para mudar as condições evidenciadas pela pandemia, o pesquisador destaca a necessidade do ensino da interprofissionalidade durante a formação dos profissionais. Martins também destaca a precarização dos serviços dos CAPS, levantando a urgência de investimentos públicos para reverter a situação dessas unidades. Além disso, ele ressalta que, ainda que a pesquisa tenha sido feita em uma única unidade do CAPS, ela mostra a realidade de várias outras unidades de saúde mental no Brasil.
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