O poder é “quando você prende um passarinho e ele não pode voar”. Mãe é “quem cuida da casa”. Pai é “quem leva o lixo”. A liberdade é “como uma onda”.
Essas definições foram dadas por crianças a Bruna Ribeiro. Pesquisadora na área de educação e assessora da Divisão de Educação Infantil (Diei) da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, a pedagoga publicou no final de abril o livro “Pedagogia das Miudezas” (Pedro e João Editores), fruto de sua pesquisa de doutorado na Faculdade de Educação (FE) da USP concluída no final do ano passado. Na obra, ela discute os benefícios e os desafios da “pedagogia da escuta”.
O termo “escuta” aparece em documentos oficiais que orientam a educação no Brasil. O Currículo da Cidade (de São Paulo) para a educação infantil elaborado em 2018, por exemplo, menciona a palavra “escuta” 102 vezes. Visando elucidar o termo e ajudar as novas gerações de professores, a pesquisa de Ribeiro explora o que a pedagoga chama de “conceito ampliado de escuta”: perceber as diferentes formas de crianças e bebês se comunicarem, entender qual “cultura pedagógica está instalada, compreender os materiais, a forma como os móveis estão organizados, os cartazes que tem na parede”, diz a pesquisadora. Se concentrar na grandeza das miudezas essenciais à educação, em suma.
Além de São Paulo, a pesquisa de Ribeiro se estendeu às cidades portuguesas de Porto, Lisboa e São Domingo de Rana e à espanhola Pamplona. Nas escolas de Portugal estudadas, crianças de três a cinco anos se organizavam em assembléias em que compartilhavam o que estavam aprendendo e discutiam qual seria o próximo projeto da turma: escolher qual desenho fazer em conjunto, em que papel pintar, que materiais usar, dentre outras atividades. No Brasil, as escolas que aplicam essas abordagens costumam ser particulares e experimentais.
Mas Ribeiro percebeu, ao trabalhar com professoras do ensino infantil da rede municipal de São Paulo, que nem todos os esforços em prol de uma pedagogia da escuta tinham que ser tão abrangentes quanto os exemplos ibéricos para funcionarem. As professoras que contribuíram com a pesquisa de Ribeiro relatam que, quando a escuta é aplicada na sala de aula — como conceito abrangente e contextualizado, diferente do mero “ouvir” —, as crianças se tornam mais autônomas, capazes, proativas.
Ribeiro salienta como atos simples reforçam a independência das crianças. Manter os materiais de sala ao alcance delas e deixá-las escolher os projetos aos quais querem se dedicar, por exemplo, já são formas de “escutá-las”. “Essas pequenas mudanças mudam toda a dinâmica das relações”, diz a pesquisadora.
Ouvir as crianças e incorporar suas experiências às aulas também pareceu dar resultados frutíferos. A própria pedagoga se impressionou com a criatividade e o olhar afiado delas quando comentavam sobre a escola e as aulas — as suas falas contemplavam as nove dimensões elencadas nos Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana de 2016, documento publicado pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. “A gente consegue usar o que as crianças dizem até para ajudar na formulação de políticas públicas”, resume Ribeiro.
Para a pesquisadora, “fazer a opção pela escuta, na verdade, está ligado a uma escolha tanto profissional como de vida, de concepção de projeto de sociedade”. As mudanças que vê possíveis para o futuro da educação no Brasil passam tanto por uma adaptação dos bons exemplos estrangeiros para a realidade nacional, quanto por um verdadeiro “investimento nas pessoas, na formação delas”. Assim, novas gerações de professores podem aprender a escutar as crianças e a desvendar seu mundo — e talvez ouvir, como fez Ribeiro, que a liberdade, além de onda, é quando se pode “ir brincar lá fora”.
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