Os idosos usam meios mais letais que os jovens em suas tentativas de suicídio e é dentro de casa onde mais ocorre o ato. No Brasil, a média de casos é de 7,8 a cada 100 mil, 47% mais que os 5,3/100 mil entre a população geral. Nos idosos, o luto pela perda progressiva de companheiros, filhos e amigos e as limitações físicas características dessa fase final da vida se somam ao isolamento social, falta de uma rede de apoio, solidão e depressão como fatores de risco para o suicídio.
Tendência global, as taxas mais elevadas estão entre os brasileiros acima dos 70 anos, com 8,4 (faixa dos 80+) e 8,2 (70-79) casos a cada 100 mil. Os dados são do artigo “Suicídio em idosos: um estudo epidemiológico”, de pesquisadoras da Escola de Enfermagem (EE) da USP, publicado no ano passado.
O estudo analisou a incidência de suicídio dos brasileiros com 60 anos ou mais e os meios utilizados entre 2012 e 2016, buscando olhar para a saúde mental do idoso para além dos problemas orgânicos mais conhecidos que atingem essa população, como o Alzheimer e a demência. No último ano do período da análise, o Brasil tinha a quinta maior população idosa do mundo, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e a tendência é de que continue crescendo nos próximos anos.
“Ninguém quer acreditar que idoso sofra, porque idoso é fofo e feliz”, afirma Mariana Lobato, enfermeira, doutoranda na EE-USP e uma das autoras do artigo, à AUN em relação ao “tabu” que é o sofrimento psíquico dos mais velhos. Dizer que eles estão na “melhor idade” reforça essa invisibilidade. “Olha que coisa brutal: o corpo mudou, está com dor nas articulações, e a pessoa é obrigada a acreditar nisso sem ter condições de fato para que essa seja a melhor idade.” Inserção no mercado de trabalho, cuidado com a saúde mental e pleno exercício da sexualidade são alguns dos fatores que permitiram essa melhor qualidade de vida.
De acordo com a pesquisadora, negar a essas pessoas o direito de trabalhar e viver sua sexualidade é esvaziá-las de seu papel de adulto. “Existe uma idealização da figura do idoso na sociedade ocidental: ele é o bondoso, e seu papel é cuidar dos netos.” E isso se estende para a dor psíquica. “Ouse ele pensar em suicídio.”
Os vovôs também sofrem
Outro ponto de destaque do estudo são os números entre os idosos homens: eles não apenas são o grupo com a maior taxa de suicídio (14,8/100 mil) como entre 2012 e 2016 houve um aumento de 2,8% nos casos. Já entre as mulheres idosas (2,6/100 mil), houve uma redução de 10,3%. Também na população geral, o aumento foi exclusivo entre os homens.
As possíveis causas para essa diferença são o maior acesso dos homens aos meios mais letais e seus comportamentos de competitividade e impulsividade, associados ao maior consumo de drogas e álcool. “Socialmente, foi valorizado que eles resolvessem as coisas rapidamente. Então está tudo certo para o suicídio”, explica Lobato. “Além disso, existe uma cultura de vergonha quando eles não conseguem morrer. Olha quanto esforço para não falar que está sofrendo e procurar ajuda…”
As mulheres também procuram mais os serviços de saúde e têm mais facilidade em lidar com os estigmas da saúde mental. Além disso, as pesquisadoras apontam para a hipótese de que o papel social de “avó” tem um peso importante no menor adoecimento mental das idosas.
“Ela é a avó que cuida dos netos e ajuda a filha, e o idoso convive com os amigos, aqueles que estão morrendo. Então ele não tem um papel social claro”, afirma Lobato. “Os meninos aprendem que têm que ser um super-herói durante toda a vida, cabendo no papel de supridor, forte, que não leva desaforo para casa. E o idoso não dá mais conta: ele não é mais aquela pessoa que todos escutam. Ele vai perdendo significado.”
Meios de prevenção
Para que os idosos realmente tenham uma vida longa prazerosa, é necessário dar visibilidade ao suicídio e seus fatores nessa população, com novas análises científicas e a notificação adequada dos casos, superando tabus e dificuldades burocráticas.
Uma das medidas de prevenção ao suicídio recomendadas pelo estudo é a capacitação e o treinamento dos profissionais de saúde, em especial os não especialistas em saúde mental, e também dos professores e profissionais da mídia para a divulgação segura de informações e a conscientização do público.
Outra intervenção é retirar os meios, individualmente e por meio de políticas públicas, com destaque para as armas de fogo e os remédios desnecessários dentro de casa, além de uma maior vigilância dos pesticidas. Tudo sem deixar de validar as experiências de sofrimento do idoso, permitindo que ele, como afirma Lobato, “procure ajuda sem que isso seja um tabu ou um grande pecado, e sem expectativas de alívio e recuperação mágicas”.
Diante de uma tentativa de suicídio, é preciso acolher, identificar os riscos e acompanhar de forma constante a pessoa em sofrimento. “Quando ela é resgatada, acolhida, ouvida, ela começa a entender outras possiblidades. Muitas vezes o que a gente precisa fazer é protegê-la do ato impulsivo”, diz Lobato. O álcool ou uma sucessão de situações estressantes podem desencadear a tentativa.
A pesquisadora defende o atendimento longitudinal (ao longo da vida) e multidisciplinar, que envolve vários profissionais da saúde, entre enfermeiros de saúde mental, psicólogos, psiquiatras, geriatras e assistentes sociais, sempre em parceria com a família, para elaborar um plano de cuidado.
Nessa equipe, o enfermeiro é aquele que se faz presente do início ao fim da vida da pessoa. “Esse profissional tem o privilégio de intervir em diversos momentos dessa trajetória para promover o envelhecimento saudável com um bom estilo de vida, identificando tudo aquilo que saiu do padrão de saúde: um comportamento, discurso, déficit de autocuidado.” O enfermeiro é a “ponte” que identifica as questões, aciona a equipe e traz a família para dentro do cuidado.
Caso você esteja pensando em suicídio, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV) e o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da sua cidade. O CVV (https://www.cvv.org.br/) funciona 24 horas por dia, inclusive nos feriados, pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. Não deixe de procurar ajuda.
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