Modelos que combinam regime de chuvas e usos do solo contribuem para mapear qualidade da água em bacias hidrográficas

Análises desenvolvidas a partir de bancos de dados e imagens de satélites embasam debates sobre manejos agrícolas mais sustentáveis e adaptação a mudanças climáticas

O tipo de vegetação e as diferentes atividades desenvolvidas ao redor de rios influenciam aspectos de qualidade e segurança hídrica, como aponta estudo da USP. [Imagem: Reprodução/International Rivers]

A organização social moderna exige um grande consumo de água, seja em atividades domésticas, industriais, agropecuárias ou de geração de energia. Ao mesmo tempo, a qualidade da água se altera conforme o padrão de cobertura de vegetação natural e de usos antrópicos (agrícolas e urbanos), que podem funcionar tanto como fontes quanto como barreiras de poluentes.

Para entender como a qualidade da água varia em pequenas bacias hidrográficas, pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) utilizam modelos estatísticos aplicados à região da bacia do rio Corumbataí, no centro-leste paulista. 

Um dos elementos importantes na manutenção de uma boa qualidade hídrica é a presença de vegetação nativa na bacia hidrográfica. Chamada de floresta ripária, reduz a chegada de sedimentos e contaminantes ao leito dos rios. Mas a vegetação sozinha, embora relevante, nem sempre é suficiente. Para evitar a contaminação da água, estratégias preventivas como implementação de técnicas de conservação do solo e de melhor manejo dos cultivos precisam também ser aplicadas.

A eficácia da presença de vegetação e do manejo do solo também dependem do regime de chuvas: a ocorrência de chuvas muito fortes tende a aumentar a erosão e o transporte de compostos e sedimentos para os rios, enquanto períodos de secas reduzem esse transporte difuso.

Variações na vegetação no entorno de cursos de água levam a diferentes impactos do escoamento de chuvas. [Imagem: Divulgação/Sabesp]
Buscando aprofundar o entendimento sobre os efeitos de fatores ambientais e de uso do solo sobre a qualidade da água, a bióloga e pesquisadora Eduarda Romanini, doutoranda no IB-USP, utilizou informações disponíveis em bancos de dados para construir modelos de análise estatística. “O que mais me motivou foi a vontade de entender mais sobre a água e sobre a relação que a gente, enquanto ser humano, tem com a ocupação dos espaços e seus efeitos sobre a qualidade dos recursos naturais”, conta.

A proposta do trabalho da pesquisadora é testar se a cobertura vegetal (nativa e de áreas agrícolas) e se o regime pluvial (quantidade de precipitação e número de dias sem eventos de chuva) influenciam parâmetros de qualidade hídrica, como concentração de oxigênio dissolvido e quantidade de fósforo e nitrogênio — elementos indicadores da presença de matéria orgânica na água. Na primeira parte da pesquisa, o foco são os subafluentes, rios de pequeno porte na estrutura da bacia hidrográfica, já que eles respondem mais diretamente aos efeitos da paisagem em seu entorno.

Uma bacia hidrográfica é formada por uma rede de corpos de água de diferentes tamanhos. Quanto menor o tamanho, menor a ordem do rio. Rios de primeira ordem, ou subafluentes, geralmente correspondem aos riachos. [Imagem: Rede Bacia/YouTube]
Segundo a pesquisadora, a escolha da bacia do rio Corumbataí foi motivada por dois aspectos principais. O primeiro é que ela representa um padrão de uso do solo bastante característico da região, com vegetação nativa fragmentada e predomínio de plantações de cana-de-açúcar e pastagem. Já o segundo diz respeito à disponibilidade de informações: os dados sobre os parâmetros de qualidade da água foram compartilhados de maneira gratuita por pesquisadores que estudaram riachos da bacia em trabalhos anteriores, enquanto os padrões de uso do solo foram definidos pela análise de fotografias aéreas e imagens de satélites.

A bacia hidrográfica do Rio Corumbataí integra a bacia do Rio Piracicaba e abrange a parte superior do Rio Tietê em um percurso de 592 quilômetros. [Imagem: Reprodução/Unesp]
O trabalho ainda está em andamento, mas pode contribuir com dados relevantes para o planejamento do uso do solo. A pesquisadora explica que a densidade da cobertura vegetal varia de acordo com a fase da colheita agrícola, da quantidade de chuvas, ou de acordo com a estação do ano, no caso de vegetação nativa com dinâmica sazonal. “A importância do nosso trabalho é entender não somente o efeito dos usos agrícolas e da vegetação nativa na qualidade da água, mas o impacto de suas variações. As respostas podem ajudar a programar melhor os períodos de colheita ou de manejo da pastagem, por exemplo”, pontua.

Além disso, abordagens como a utilizada na pesquisa contribuem para entender cenários possíveis ligados às mudanças climáticas. Nas regiões tropicais, chuvas pesadas e secas prolongadas tendem a ser cada vez mais comuns nos próximos anos, como aponta o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC). Assim, compreender como mudanças no regime de chuvas interagem com os diferentes usos do solo para definir a qualidade dos recursos hídricos pode favorecer a adaptação às condições futuras do clima, preservando a qualidade da água não só para consumo humano, mas também para o funcionamento saudável dos ecossistemas.

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