As disputas em torno do registro fóssil enquanto propriedade física e intelectual do Brasil

Publicações internacionais recentes que impactam o conhecimento científico na Paleontologia também agitam o debate sobre o tráfico de fósseis brasileiros e a importância da fiscalização e do engajamento social na conservação desse patrimônio

Além de contribuir para a compreensão do passado da vida na Terra, os fósseis impactam atividades econômicas, sociais e culturais na atualidade. [Imagem: Jon Butterworth/Unsplash]

Por Jaqueline Cristina Silva, Luanne Caires, Luisa Martins Costa, Natane Cavalcante Pedroso e Vitor Cavalari

Um fóssil brasileiro tem movimentado o universo da ciência no último ano, em uma polêmica que segue sem solução. É o caso do Ubirajara jubatus, um dinossauro com penas e do tamanho de uma galinha que habitava a Bacia do Araripe, no interior do Ceará, há 110 milhões de anos.

A espécie foi descrita pela primeira vez por pesquisadores alemães em dezembro de 2020, no periódico científico Cretaceous Research, mas o estudo logo foi despublicado, após a Sociedade Brasileira de Paleontologia (SBP) contestar sua legalidade.

A confusão começou porque o estudo indicava que o fóssil havia sido encontrado em 1995, mas, até então, sua existência não era conhecida no Brasil. Pesquisadores brasileiros perceberam que os autores não apresentavam a documentação necessária para a retirada legal do fóssil do território nacional. Além disso, não havia nenhuma instituição brasileira envolvida no estudo, como exige nossa legislação.

A retirada do artigo científico por editores da Cretaceous Research não agradou os autores da pesquisa, que afirmam que o fóssil foi levado de maneira legal à Europa. Inicialmente, o Museu de História Natural de Karlsruhe, que guarda a peça na Alemanha, se mostrou aberto a negociar sua devolução, mas parece ter voltado atrás.

Diante deste cenário, pesquisadores brasileiros iniciaram a campanha #UbirajarabelongstoBR (“Ubirajara pertence ao Brasil”, em português) nas redes sociais, que tornou o caso popular internacionalmente. Também foi lançado um abaixo-assinado pedindo a repatriação do fóssil, que já conta com mais de 10 mil assinaturas.

Como o museu alemão se recusa a devolver o material, o Ministério Público Federal realizou, em novembro último, um pedido formal de cooperação às autoridades alemãs para a repatriação do fóssil, mas a solicitação ainda não foi respondida. No mesmo mês, paleontólogos de instituições brasileiras e alemãs tomaram o caso do Ubirajara jubatus como exemplo em um artigo publicado na revista científica Nature Ecology & Evolution. No artigo, os pesquisadores chamam atenção para as consequências do tráfico de fósseis e a importância da repatriação dos materiais aos países de origem.

Após a publicação, o Ministério de Ciência, Pesquisa e Arte da Alemanha respondeu aos pesquisadores, por meio de carta, afirmando que o caso está sendo investigado e medidas legais serão tomadas se forem necessárias. Segundo pesquisadores brasileiros, a resposta é simbólica porque se trata de um reconhecimento inédito por parte do governo alemão de que a chegada de um fóssil ao país proveniente do Brasil pode ser irregular.

Mas o que é um fóssil?

Registro fóssil é a evidência de que existiam seres vivos há milhares de anos no planeta Terra, a partir da conservação de seus vestígios, ossos ou outras partes do corpo em fragmentos de rochas, areia, gelo, âmbar e outros materiais. O termo “fóssil” vem do latim fossilis e significa “extraído da terra”. De modo geral, a fossilização é dividida em duas categorias: de um lado, vestígios que preservam a passagem do animal pela Terra (como pegadas) e, de outro, partes conservadas do próprio organismo. A fossilização é um processo demorado e complexo, que depende de uma série de eventos químicos, físicos e biológicos — por isso, os fósseis não são fáceis de serem encontrados. O ser vivo ou seus vestígios devem ser isolados do meio para que não sofram a ação dos agentes erosivos e decompositores, e é necessário que sejam soterrados por rochas sedimentares, congelados ou aprisionados em substâncias capazes de conservá-los.

Louva-a-deus de 12 milhões de anos preservado em pedra de âmbar, vendido pelos Leilões Heritage em 2016 [Imagem: Divulgação/Heritage Auctions]

A complexidade da fossilização e sua raridade também variam de acordo com a área conservada do ser vivo: as partes duras, como ossos, dentes e carapaças, são mais fáceis de preservar e, por isso, constituem os tipos de fósseis mais encontrados. Já os fósseis de partes moles, como órgãos internos ou membranas, são mais raros devido ao seu rápido processo de decomposição. Seus modos de preservação mais comuns são por meio de congelamento, a exemplo dos mamutes, pela mumificação ou pelo aprisionamento em substâncias, como é o caso de insetos presos em âmbar — resina secretada por alguns vegetais. Contudo, nem todos os grupos de animais ou vegetais contêm partes fossilizáveis, por isso há registros fósseis de apenas uma parcela da diversidade de tudo que já habitou o planeta Terra.

Regiões que possuem condições propícias à formação e preservação de fósseis constituem os sítios paleontológicos. No Brasil, duas regiões de destaque são: a bacia do Araripe, localizada na divisa dos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, e a bacia do Paraná, que inclui importantes áreas fossilíferas nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul.

De acordo com Mariela de Castro, paleontóloga e pesquisadora na Universidade Federal de Catalão (UFCAT), a bacia do Araripe — origem do Ubirajara — tem uma preservação peculiar que inclui fósseis de partes moles. Nela, é visível a preservação da marca da crista dos pterossauros — répteis voadores já extintos — e as pequenas estruturas de insetos, por exemplo. Ou seja, lá se encontra um tipo de fossilização muito precisa, provavelmente por se tratar de um ambiente de águas calmas à época da formação de muitos fósseis, o que propicia um soterramento lento em um sedimento fino e favorece a qualidade da preservação. “Por conta dessas características, a bacia do Araripe é um dos principais focos do tráfico de fósseis no Brasil”, comenta Mariela. Já no caso da bacia do Paraná, os fósseis encontrados geralmente são de partes duras. E, por mais que a bacia se estenda por um amplo território, são apenas algumas áreas geológicas em que há a preservação fóssil: “Eles são preservados de maneira tridimensional, mas apenas em algumas localidades”, explica.

A paleontóloga também destaca outro território nacional importante: a Lagoa Santa, em Minas Gerais, que possui fósseis recentes, do período Quaternário (cerca de 2,6 milhões de anos atrás) até o começo do período Holoceno, iniciado há cerca de 11 mil anos. É uma região com muitas cavernas, conhecida como o berço da paleontologia brasileira. Lá foi encontrado o fóssil humano mais antigo descoberto nas Américas, a Luzia.

Representação de como seria o rosto de Luzia, que viveu há 13 mil anos – [Imagem: Divulgação/Museu Nacional-RJ]

Afinal, a quem pertencem os fósseis?

Com uma grande diversidade fossilífera e leis relativamente antigas, o Brasil enfrenta um conflito científico e social quase invisível midiaticamente: a disputa pela criminalização ou não do comércio e a dificuldade de reconhecimento dos fósseis por entidades legais e econômicas. Além do tráfico internacional destes artefatos, pesquisadores da área apontam que os problemas podem começar no processo artesanal da lavra da rocha nas pedreiras que muitas vezes sequer são formalizadas ou possuem direito e conhecimento sobre os materiais descobertos.

A legislação brasileira, que rege e regulamenta a proteção dos fósseis, data de 1942, quando Getúlio Vargas assinou o Decreto-Lei Nº4.146/1942, que estabelece que os depósitos fossilíferos encontrados em território brasileiro são propriedade da nação e que sua extração depende de autorização prévia emitida pelo Estado. À época, o entendimento dos fósseis consistia em dizer que eles representavam os restos de animais que podiam ser dissociados de rochas, como partes esqueléticas de répteis ou mamíferos. Atualmente, a compressão sobre artefatos fósseis se ampliou, abrangendo outras espécies de animais vertebrados e invertebrados, assim como outros grupos de seres vivos. A ampliação no conceito de fósseis pode abrir brechas na antiga lei e requer discussão, revisão, atualização e firmamento na legislação nacional. Além disso, os materiais fósseis devem permanecer em regiões próximas ao local em que foram encontrados, a fim de promover e manter a identificação cultural original do patrimônio e contribuir para as atividades sociais e econômicas, realizadas por meio de exposição em museus regionais.

Assinado em 1990 por José Sarney, o Decreto-Lei Nº98.830/1990 consolidou que as autorizações de extração deveriam ser emitidas obrigatoriamente pelo então Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), permitindo que, unicamente sob essa alternativa, expedições nacionais ou internacionais pudessem encaminhar material fóssil para o exterior. Ainda segundo este decreto, essa possibilidade impede quaisquer pretextos de compra e comercialização de tais artefatos.

No caso do artigo que descreve o fóssil Ubirajara jubatus, os responsáveis acadêmicos declaram a existência de uma autorização de exportação emitida em 1995 pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM, atual Agência Nacional de Mineração – ANM). Além de ter sido emitida por outro órgão que não o Ministério da Ciência e Tecnologia, prescrito como condição obrigatória pelo decreto de 1990, o funcionário responsável pela liberação responde a condenações de fraude de laudos de extração de pedras preciosas brasileiras. O documento, que está sob questionamento da Sociedade Brasileira de Paleontologia, refere-se somente à transportação de duas caixas de calcário com fósseis, em uma vaga descrição acerca de material fossilífero apontado no próprio artigo como cientificamente “raro” e “valioso”.

Documento emitido pelo DNPM que comprovaria a legalidade do transporte do fóssil para fora do país. [Imagem: Reprodução/Revista Galileu]

Em nota, o Museu de História Natural de Karlsruhe afirmou que o Ubirajara chegou à Alemanha antes da promulgação da Convenção da Unesco sobre Medidas para Proibir e Prevenir a Importação, Exportação e Transferência Inadmissível de Propriedade de Bens Culturais, de 14 de novembro de 1970. O Museu de Karlsruhe defende que, embora respeite as condições do acordo, uma lei assinada pelo Estado alemão em 2016 especifica quais peças devem ser consideradas utilizando a recomendação internacional da Unesco. Além de demonstrar uma brecha legislativa, foi estabelecido que quaisquer materiais levados ao país antes do dia 26 de abril de 2007 seriam de propriedade alemã.

De acordo com Max Langer, paleontólogo da Universidade de São Paulo (USP, campus Ribeirão Preto) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Paleontologia (SBP), há uma diferença marcante no tratamento de diferentes países às leis que regem o patrimônio fóssil, e essa diferença depende também da espécie que está sendo alvo da exportação. Como lembra o paleontólogo, o caso da repatriação do fóssil da aranha Cretapalpus vittari em outubro de 2021 contou com a colaboração de pesquisadores estadunidenses para retorno ao Brasil. Segundo ele, os Estados Unidos possuem uma política mais liberal em relação aos fósseis, o que pode apresentar vantagens e desvantagens. Se material fossilífero for encontrado na casa de um cidadão estadunidense, ele poderá decidir quanto à venda e ao uso do objeto, mas, se for encontrado em uma região protegida, pode haver legislação local que garanta direitos patrimoniais nacionais e impedimentos de comercialização.

Em maio de 2021, pesquisadores estadunidenses publicaram um estudo que analisava uma aranha que viveu no Brasil há 122 milhões de anos. Repatriado ao país, o nome do fóssil de aranha Cretapalpus vittari homenageia a cantora Pabllo Vittar [Imagem: Reprodução/The Journal of Arachnology]

Embora a lei não impeça que artefatos fossilíferos sejam devolvidos de maneira voluntária, como é o caso da aranha Cretapalpus vittari, Max descreve os alemães como mais resistentes à repatriação de material fóssil de outros países. “Por mais que o tráfico exista na Alemanha, a comercialização é bem controlada e possui esse sentimento de pertencimento muito importante: ‘construímos essa coleção com nossos méritos’”, afirma Langer, que cita o caso de outras pátrias que tiveram seu patrimônio cultural como alvo de extração alemã. “Materiais paleontológicos do Egito e de outras civilizações estão na Alemanha e provavelmente nunca voltarão ao Egito, nem ao Iraque e a outros países. Essa ideia de que ‘nós construímos essa coleção e isso nos pertence, mesmo que venha de outros locais’ é forte”, complementa.

Mas há mais um fator a ser considerado: o que a descoberta de uma nova espécie pode trazer ao país, financeiramente e cientificamente. “Por mais que digamos que ‘paleontologia não é feita apenas de dinossauros’, conseguir um fóssil de dinossauro para um museu envolve aspectos financeiros importantes. Uma vez que um país está em posse deste tipo de fóssil, que é raro, dificilmente se desfará dele”, diz Langer.

Segundo Mariela de Castro, não é por acaso que a Constituição Federal de 1988 considera os materiais fósseis como patrimônio cultural, que devem permanecer no Brasil: “Eles [os fósseis] fazem alusão à identidade e memória da sociedade brasileira. Então, o que emana da Constituição é que os fósseis são parte da nossa história e da história do nosso país. Mesmo que, à época, o território do país correspondesse a um arranjo com o que hoje são outros continentes”.

Fiscalização aliada à conscientização

O controle do comércio e da exportação ilegal de fósseis é um processo multifacetado. Por um lado, envolve a fiscalização pelos órgãos responsáveis por autorizar a retirada e o direcionamento de material fóssil para outros países. Por outro lado, requer colaboração entre a população de regiões de interesse fossilífero, pesquisadores, fiscais e governo.

No caso do Ubirajara jubatus, problemas no documento de retirada do material do Brasil permitiram que a comunidade paleontológica nacional apontasse indícios de contrabando. “Como eles [os autores do artigo sobre o Ubirajara] não tinham a papelada suficiente, conseguimos identificar o delito de maneira mais clara do que no caso da Tetrapodophis“, afirma Max.

O caso a que o pesquisador da USP se refere é o do fóssil Tetrapodophis amplectus, que tem origem no membro Crato do Araripe e agitou o debate sobre contrabando de fósseis no Brasil em 2015. O espécime foi descrito na revista Science, uma das publicações de maior prestígio científico do mundo. David Martill, paleontólogo da University of Portsmouth no Reino Unido e que também é autor do artigo sobre o Ubirajara, liderou a pesquisa que apresentava a Tetrapodophis como a primeira serpente de quatro membros conhecida. Na época, os pesquisadores envolvidos na publicação alegaram que o material havia saído do Brasil antes da lei de 1942, mas a comunidade paleontológica nacional questiona a veracidade dessa afirmação, já que a exploração na região do Araripe foi iniciada por volta da década de 1970.

Em 2015, Max atuava na presidência da SBP e conta que a principal via de ação escolhida foi tentar suspender a publicação do artigo: “Nós achávamos que essa medida poderia ser mais eficiente do que impedir a saída dos fósseis do país, porque impedir a saída é uma questão gigantesca, que inclui aduana e Polícia Federal, por exemplo”. Para ele, a Agência Nacional de Mineração não possui quadro suficiente para uma fiscalização que acompanhe todas as especificidades da extração de fósseis no Brasil.

Até 2018, o Araripe contava com um escritório próprio da ANM, que foi transferido para Fortaleza por decisão do governo federal. Também não há exigência para que as mineradoras tenham um técnico em paleontologia em suas equipes, capaz de analisar os materiais fósseis e encaminhá-los para os museus locais, o que diminuiria o impacto negativo da sobreposição entre a legalidade da extração de pedras e a ilegalidade da extração de fósseis.

Além da fiscalização no momento da extração, é necessário o treinamento continuado das equipes que atuam em áreas de saída de material do país, como aeroportos e portos. A pedra cariri é um exemplo de mineral extraído da bacia do Araripe com potencial de camuflar a exportação ilegal de fósseis. Utilizada para pavimentação, a pedra é um calcário disposto em finas camadas de sedimentos e deveria ser considerada um ponto de atenção para análise minuciosa dos carregamentos em portos e aeroportos.

Em um carregamento de calcário apreendido durante operação policial no porto de Santos – SP em 2013 foi descoberto um dos fósseis mais completos de um réptil voador do Brasil, o pterossauro Tupandactylus navigans. As placas calcárias foram transferidas para a USP, onde pesquisadores começaram a estudar os fósseis em 2016. A descrição do Tupandactylus navigans foi publicado na revista científica PLOS ONE cinco anos depois.

O pterossauro Tupandactylus navigans teria vivido no Cretáceo Inferior e faz parte de um grupo que se destaca por ter uma grande crista. [Imagem: Representação artística/Victor Beccari]

Aliada à fiscalização, a conscientização, tanto da população em geral quanto dos próprios pesquisadores, é elemento fundamental à conservação do patrimônio fóssil. Mariela destaca que, nos últimos anos, após o caso da potencial serpente de quatro membros, a comunidade paleontológica brasileira se tornou mais atenta à venda ilegal de fósseis, inclusive em sites de leilões, especialmente da Europa, dos Estados Unidos e da Ásia. Quando identificam um material que pode ter saído ilegalmente do Brasil, os pesquisadores denunciam ao Ministério Público Federal, que apura o caso junto às autoridades dos países envolvidos e negocia a repatriação, se for o caso.

Em um nível mais amplo, é preciso incluir a população, especialmente em regiões fossilíferas, no debate sobre a importância dos fósseis para o desenvolvimento regional. “É ingênuo acreditar que as pessoas [que comercializam fósseis] simplesmente vão abrir mão de um ganha-pão. Em algumas regiões, o comércio de fósseis é uma atividade das mais lucrativas e, mesmo para quem não é um atravessador, para quem coleta o fóssil e vende por um valor irrisório ao atravessador, aquela é uma fonte de renda importante”, ressalta Max. Para que as pessoas percebam que os fósseis podem ser uma fonte de renda por vias legais como o turismo, são necessárias políticas públicas que invistam em atividades educacionais e de desenvolvimento econômico dessas localidades. Mariela complementa: “O que a gente precisa é de um processo mais educativo e de conscientização do valor dos fósseis para nossa identidade cultural, ter mais oportunidades dos brasileiros se tornarem cientistas, se tornarem paleontólogos sem precisarem ir ao exterior ver um material que saiu daqui”.

A importância dos fósseis para a ciência e a educação no Brasil

De acordo com o arqueólogo Francisco Silva Noelli, autor do artigo Educação Patrimonial: Relatos e Experiências, os fósseis constituem importante patrimônio para o Brasil e devem ser objeto de constantes estudos para a sua preservação. Noelli ressalta que a missão principal da educação é possibilitar o conhecimento patrimonial, o acesso à informação e à fruição dos bens culturais, para que a sociedade se habitue à importância de sua história e cultura e possa escolher, no passado e no presente, quais objetos, signos, tradições e lugares quer preservar.

Reconhecido nacional e internacionalmente, o patrimônio paleontológico do Araripe desperta o interesse de colecionadores, museus, pesquisadores e comerciantes, sobretudo internacionais. Com o intuito de proteger a área, na década de 1980 foi desenvolvido o “Projeto Chapada do Araripe” por meio de uma ação do então DNPM e da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM). O objetivo era estudar, cadastrar e selecionar áreas de interesse paleontológico e de preservação. A partir do projeto, houve uma coleta sistêmica de fósseis que foram incorporados à coleção paleontológica do DNPM, inclusive com descrição de novas espécies.

A criação de museus também ajuda a reduzir os efeitos negativos do tráfico de fósseis e incentiva o turismo científico, atrelado à educação patrimonial. A implementação do Centro de Pesquisas Paleontológicas da Chapada do Araripe (CPCA) e do Museu Paleontológico de Santana do Cariri, em convênio com a Universidade Regional do Cariri (URCA), são exemplos de medidas que contribuem para a pesquisa científica e trabalhos de educação com a comunidade. Com efeito, desde a década de 1990, há maior evidência de movimentos de proteção aos sítios naturais.

Ainda nessa corrente, no ano de 2006, o Brasil ganha seu primeiro geoparque: o Araripe, composto por uma rede de nove geossítios de valor histórico, geológico e paleontológico que possui características únicas. O Geopark Araripe está localizado no sul do estado do Ceará, em uma área que compreende seis cidades: Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri. Além das funções de proteção e preservação, o parque tem grande importância educacional para a região.

Chapada do Araripe (CE), primeiro geoparque das Américas e do hemisfério sul com selo da UNESCO e componente da Rede Global de Geoparques (Global Geoparks Network – GGN). [Imagem: Divulgação/GeoPark Araripe – URCA]

Tanto esse museu quanto outros no Brasil — como o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, o Museu de Arqueologia e Etnologia e o Museu de Zoologia, ambos da Universidade de São Paulo — proporcionam um ambiente fértil para a educação patrimonial e a estimulação da memória por meio da disponibilização do conhecimento necessário para que a sociedade adquira o hábito de preservar e repasse essa demanda para seus respectivos representantes políticos.

Nota:

A reportagem entrou em contato com a Agência Nacional de Mineração, a Polícia Federal, o Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, o Departamento de Geologia (Dinolab) da Universidade do Rio Grande do Norte e a iniciativa de divulgação científica Colecionadores de Ossos. Não houve retorno para agendamento de entrevista até a data de encerramento desta matéria  (22/12/2021).

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