Lei que previa o ensino domiciliar é derrubada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina

Mesmo proibido, cerca de 35 mil crianças e adolescentes estudam em casa no Brasil

Imagem capa: Reprodução/Adobe Stock

No início do mês de dezembro, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) suspendeu a lei que permitia o homeschooling (educação em casa, em inglês) no estado. A legislação foi sancionada no dia 3 de novembro e instituiu a opção do ensino domiciliar para os alunos em idade escolar.

Segundo o Tribunal, a lei foi suspensa por se tratar de um assunto que deve ser discutido em esfera federal, ou seja, não pode ser decidido em âmbito estadual. No Brasil, o modelo de ensino não é permitido, mas existem projetos em tramitação para regulamentá-lo.

O principal projeto de lei relacionado ao homeschooling na Câmara dos Deputados hoje é o PL 3179 de 2012, que sugere a regulamentação da educação em casa. Mais recentemente, em 2019, surgiu também o PL 3262. Esse projeto, por sua vez, pretende alterar o Código Penal e tirar o ensino domiciliar da lista de crimes de abandono intelectual.

Devido à proibição do homeschooling no Brasil, não há dados exatos de quantas famílias são adeptas ao modelo no país. No entanto, uma cartilha em defesa do ensino domiciliar, criada pelo Ministério da Educação (MEC) neste ano, estima que há 35 mil estudantes vivendo o ensino domiciliar. Muitas famílias, no entanto, escondem a educação em casa pela possibilidade de serem denunciadas ao Conselho Tutelar.

A mestre em Filosofia da Educação pela FE-USP, Janaina Klinko, é autora do estudo “Desescolarização e abandono do mundo: um estudo sobre argumentos antiescola e seus pressupostos”, que analisa o impacto do homeschooling nos alunos, tanto no sentido educacional, como no social. Segundo Janaina, um dos principais resultados da pesquisa foi a percepção de que famílias unschoolers — famílias que preferem o ensino fora da escola —optam por esse modelo por conta da predominância de interesses privados. Ou seja, o ensino da criança fica apenas sob a escolha e responsabilidade dos pais.

Um dos maiores pontos de crítica sobre o ensino domiciliar é a educação ser levada para um aspecto individual. Janaina explica que, nesse modelo educacional, crianças e adolescentes ficam presas às ideologias familiares. “A escola é a instituição que pode realizar um contraponto em relação à experiência familiar, promovendo uma abertura para o contato e convívio com ideias diferentes daquelas já conhecidas”, acrescenta.

No início deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou o recurso de uma família que entrou na justiça para ter o direito de educar a filha em casa. A justificativa para não aceitar o pedido é a falta de legislação e regras que regulamentem essa modalidade de ensino.

Em alguns países como Austrália, Canadá, Estados Unidos, Inglaterra e França o ensino domiciliar é permitido sob regulação. Nesses casos, há um acompanhamento do Estado para garantir que os estudantes estejam sendo educados e os direitos das crianças e adolescentes respeitados. No entanto, para Juliana, a situação não seria a mesma no Brasil: “Tendo em vista as inúmeras dificuldades que já enfrentamos, parece um risco muito grande confiar que a legalização do homeschooling não abriria brechas para situações de negligência, abandono intelectual e até mesmo violência doméstica”.

Além da educação, a escola também é responsável pela socialização de crianças e adolescentes. A pesquisadora também explica que o ambiente escolar cria uma transição gradual entre o universo individual e familiar para o mundo comum. “Na escola a criança socializa, mas vai um pouco além da socialização que acontece em outros espaços, isso porque na escola a criança tem a chance de conviver com pessoas diferentes”. Já a cartilha do MEC, por sua vez, em defesa do homeschooling, aponta que os estudantes podem socializar em outros ambientes de forma natural, como nos supermercados, praças e parques.

No homeschooling, os próprios pais ensinam as crianças ou contratam alguém para essa função. Além de todas as questões sociais, Janaina Klink conclui sobre os familiares não terem a experiência de um professor e a importância da relação professor-aluno: “A distância existente na relação permite novos modos de reconhecimento e um alívio das pressões criadas por expectativas parentais”, afirma a pesquisadora, em crítica à educação domiciliar.

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