Apesar do avanço dos tratamentos de combate ao HIV, preconceito e estigma continuam a afetar portadores do vírus

Segundo Ministério da Saúde, atualmente, cerca de 920 mil pessoas vivem com HIV no Brasil

Mesmo com melhores condições de vida e acesso a tratamentos, a população que convive com o HIV ainda carregam o estigma e o preconceito de ser portador do vírus Foto: Karime Xavier/Folhapress

Apesar da mortalidade do HIV ter caído desde sua descoberta, outros fatores estruturais afetam a qualidade de vida dos portadores do vírus. Em 2019, um estudo realizado pelo Índice de estigma em relação às pessoas vivendo com HIVcom portadores do vírus, que relataram sofrer algum tipo de discriminação por conta da doença. 

“Existem dois grandes valores disputados: o estigma muito fortemente associado a epidemia, a forma como a sociedade vê na aids essa doença de contágio e a normalidade heterossexual”, afirma Regiane Nunes, enfermeira e de de formação doutoranda em análise de políticas pela Faculdade de Saúde Pública da USP.

Ela é autora da tese Política de atenção ao HIV/AIDS no Brasil: forças e valores a partir de uma aproximação genealógica, defendida em setembro de 2021. O estudo teve como objetivo analisar a construção histórica da política de atenção ao HIV/AIDS no país.

A construção de políticas de enfrentamento ao HIV no Brasil começou com a criação da Comissão Nacional de IST, HIV/Aids e Hepatites Virais (CNAIDS), em 1986. A entidade foi criada com o objetivo de assessorar o Ministério da Saúde na criação do Plano Nacional de enfrentamento à aids. O conselho da CNAIDS é formado por membros do governo e por diversas partes da sociedade civil, como conselhos de medicina e enfermagem, igrejas, sindicatos, entre outros.

“A gente pensou em utilizar uma outra abordagem para fazer uma análise que é a partir do campo de forças e como diferentes, interesses e valores eram produzidos no decorrer da política”, explica Nunes sobre a metodologia adotada em sua tese.

Ela conta que foi possível identificar dois principais campos de força das análises: a própria construção da Aids no âmbito da sociedade e a institucionalização da política além do campo governamental. “O estigma foi uma grande força que apareceu. Um outro valor foi a construção em torno de uma heteronormatividade sexual”, conta a doutoranda, ao explicar o efeito da construção da aids na sociedade. 

Segundo Nunes, o medo dos efeitos do HIV, como o fato do vírus ser ligado a uma parcela que desvia do padrão heteronormativo, fez com que a sociedade tratasse os portadores da doença com preconceito, e criando uma exclusão implícita sobre suas vidas. Essa disputa de normalidade sexual possui impactos diretos tanto na vida de quem vive com o vírus, como de quem cria as políticas de combate a ele.

O Brasil, apesar de possuir políticas públicas de combate ao HIV de alta qualidade, falha na construção de uma política que secundariza o direito de viver e do exercício da sexualidade do portador. 

“Ainda há um estigma ainda muito grande com algumas populações, principalmente quando têm HIV, porque o ter HIV é uma coisa, ter HIV e ser negro é outra, ter HIV ser negro e pobre é outra”, diz Nunes.

A ideia de que a aids tornou-se, aos olhos da população, uma doença crônica, ignorando-se os impactos que a doença possui na vida social do portador ainda são grandes, principalmente de portadores que fazem parte da comunidade LGBTQIA+. “Há, sim, uma política que se transformou no decorrer dos 40 anos, mas que não conseguiu transformar o estigma, a violência e a exclusão dessas pessoas”, conclui Nunes. 

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