A adaptação de crianças com autismo no retorno às aulas presenciais

Após mais de um ano em ensino remoto, crianças de todo o país voltam às escolas. Estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) retornam para a rotina de socialização e se readaptam às aulas presenciais

Imagem: Freepik

O número de crianças com autismo matriculadas em escolas regulares tem aumentado ano a ano, como mostra o INEP (Instituto Nacional de Educação Anísio Teixeira). Os dados mais recentes divulgados pelo instituto, em 2018, revelam que houve um aumento de 37,27% nas matrículas de crianças e adolescentes que pertencem ao espectro. Nesse mesmo ano, havia um total de 105.842 estudantes com autismo nas escolas públicas e particulares.

Esse crescimento na quantidade de estudantes demanda um preparo das escolas e dos professores para gerar um ambiente inclusivo às crianças. Para Mariana Sica, mestre em Psicanálise e Educação pela Faculdade de Educação (FE-USP), há diversos cursos preparatórios para que os professores saibam educar crianças com autismo de forma inclusiva. Porém, nada substitui a vivência em sala de aula sem se apegar a diagnósticos. “Isso todo professor tem, pois vem do inconsciente, e é vital para a criança que o professor possa ser ele mesmo, isto é, ter certa autonomia em sala de aula”, ela explica.

Mariana Sica é autora da dissertação A dialética estranho-familiar na inclusão do aluno autista em escolas regulares. O estudo aborda a inclusão de alunos com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), bem como a relação professor-aluno autista a partir do viés psicanalítico.

A pesquisadora explica que estuda essa relação a partir do conceito “estranho-familiar”,  trabalhado por Sigmund Freud. O termo foi criado em 1919, no texto intitulado Das Unheimliches (O estranho), e se refere a tudo que incomoda o ser humano por tratar de algo que já foi familiar ao indivíduo, mas estava esquecido no inconsciente.

“Uma criança autista não vai devolver em espelho a imagem de professor ao professor, nem a imagem de pais aos próprios pais. Isso pode ser bem angustiante para os adultos”, exemplifica Sica sobre o conceito.

A pandemia de coronavírus afetou a dinâmica de estudos dos alunos de nível Básico e Superior no mundo todo e as aulas presenciais já voltam a ser obrigatórias nos estados brasileiros. A mudança de rotina no início das aulas remotas e na volta ao presencial se torna um desafio para crianças e adolescentes com o TEA. Sem o contato direto em sala de aula entre professor e aluno, a relação do “estranho-familiar” se torna mais visível e crianças com autismo perdem uma das principais premissas para a inclusão de pessoas que fazem parte do espectro: a socialização.

Além da socialização e mudança de rotina para as crianças, Mariana Sica aponta que a principal dificuldade durante o ensino remoto para as famílias de alunos com autismo foi a sobrecarga de atividades em um período delicado. “Para a maioria das crianças não é a princípio um problema ficar em casa, desde que tendo garantido a lembrança de que sua professora, seus colegas, sua escola continuam existindo”, ela pontua.

Mais recentemente, na volta às aulas, outra dificuldade é a readaptação a uma rotina sem o contato com os familiares. “Vimos muitas crianças voltarem depois da pandemia ainda bastante aderidas às dinâmicas familiares”, afirma Sica. Embora o ensino remoto tenha gerado diversas consequências negativas para o ensino, ela defende que a causa dos problemas é exclusivamente a falta de recursos na educação.

Agora, com o retorno das aulas presenciais, as dificuldades impostas pelo ensino remoto são superadas gradativamente. A rotina entre professores, alunos com autismo e colegas sem deficiência pode ser recuperada aos poucos e a socialização volta a ser presente.

A autora da dissertação conclui dizendo que a pandemia e o ensino remoto foram importantes para nivelar crianças com e sem autismo e mostrar semelhanças entre elas. “Voltamos para o espaço escolar percebendo o valor que ele tem para além da aprendizagem de conteúdos. Acho que essa foi a principal adaptação e ensinamento”, ressalta Mariana.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*