Projeto prepara profissionais para lidar com distúrbios de linguagem em crianças surdas

Crianças surdas com distúrbios de linguagem têm dificuldades para se comunicar tanto pela fala quando pela linguagem de sinais. Imagem: Montagem por Ana Paula Alves

O DOTDeaf, liderado pela City, University of London, desenvolve projeto de capacitação de profissionais que lidam com crianças surdas, como fonoaudiólogos e professores, para atender público que apresenta distúrbios de linguagem.

O projeto é realizado no Brasil pelo grupo de estudos da Língua de Sinais e Cognição (LiSCO), do departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Segundo os estudos, os problemas detectados não são relacionados com a surdez em si, mas com outras condições e fatores, que dificultam a comunicação mesmo utilizando a língua de sinais.

O professor do Departamento de Linguística e responsável pelo LiSCO, Felipe Barbosa,  atesta para a importância da discussão no contexto brasileiro. “Existe uma demanda grande de surdos com problemas de linguagem” e as pesquisas realizadas sobre o assunto foram muito importantes para começar a atender essa demanda: “Antes, os professores olhavam para os surdos com problemas de linguagem e achavam que eles tinham esses problemas porque eram surdos, não conseguiam identificar quando era um surdo que precisava de uma atenção especial”.

Causas e consequências dos distúrbios de linguagem

Existem diversos fatores que podem levar a um distúrbio de linguagem em crianças surdas, mas o principal deles é o desenvolvimento atípico da linguagem.

Em crianças ouvintes, existe um estímulo que ocorre desde a gestação, já que elas podem ouvir a partir do 5° mês, e após o nascimento, esse estímulo continua de forma intensa, possibilitando a aquisição de linguagem nos primeiros anos de vida. Esse seria o processo típico. Segundo Felipe, a condição de desenvolvimento inicial da fala acontece, geralmente, antes dos 5 anos de idade. “A criança que recebe o estímulo linguístico nesse período, em que o cérebro está mais propício para adquirir uma língua, tem um desenvolvimento típico”, frisa ele. 

O desenvolvimento típico costuma acontecer com crianças surdas que nascem em famílias que já lidam com a condição em sua rotina e conseguem detectá-la rapidamente, isso permite a adequação dos estímulos de linguagem desde os primeiros anos. Já no caso de famílias ouvintes, é comum que, até que se identifique a surdez na criança, se consiga fazer um diagnóstico e se promovam as intervenções e adequações necessárias, já tenha passado o período ideal para o desenvolvimento da linguagem, o que faz com que a criança tenha dificuldades na comunicação. O professor afirma que “cerca de 95% de crianças surdas nascem em família ouvintes, então é muito frequente que os surdos tenham um atraso no início do processo de aquisição de língua”, o que gera o desenvolvimento atípico.

 Esse atraso tem impactos não apenas na compreensão e fluência na linguagem de sinais, mas também em funções cognitivas, como memória e raciocínio. “A cognição é uma entidade mental composta de diversas habilidades e a linguagem é uma delas”, Felipe explica. A linguagem é o que permite a representação de conceitos e ideias, a criação de símbolos e produção de sentidos, basicamente é o que nos ajuda a compreender o mundo. “A linguagem é potencializada de diversas formas, uma delas é através das línguas, dos idiomas”, por isso, quando ocorre um atraso em seu desenvolvimento, existe a possibilidade de consequências negativas na cognição.

Intervenção proposta pelo DOTDeaf

Ao ser identificado um distúrbio ou dificuldade na comunicação da criança, o projeto prevê dois tipos de intervenção: a pedagógica, feita por professores e educadores, e a clínica, feita por fonoaudiólogos.

Na pedagógica, a proposta é realizar atividades que abrangem esses alunos, suprindo suas necessidades específicas, de forma a incluí-los, além de gerar estímulos para o desenvolvimento linguístico e encaminhá-los para o tratamento com fonoaudiólogos.

Na clínica, realiza-se um trabalho mais específico para cada criança, que envolve análises mais profundas do problema e das possíveis causas e fatores que contribuem para o distúrbio, o que permite um tratamento que atenda às necessidades individuais em determinados casos.

O professor Felipe Barbosa também aponta para a possibilidade de junção das duas intervenções. “Muitos fonoaudiólogos trabalham em parceria com professores, dando sugestões de atividades que podem colaborar com o desenvolvimento daquela criança e o inverso também acontece”.

Um objetivo a longo prazo do projeto é realizar estudos e oferecer aos profissionais, principalmente professores, as bases teóricas e evidências para realizarem as intervenções de forma mais eficaz. O professor afirma que estudos desenvolvidos para línguas orais poderiam também ser adaptados e aplicados para a língua de sinais e auxiliar nos tratamentos direcionados a crianças surdas. “Nas línguas orais já temos isso bem desenvolvido, já no caso da pessoa surda, nós estamos ainda no início dessas pesquisas, testando os tratamentos e esperamos que em breve tenhamos as evidências”.

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