Permanência e releituras: o centenário de Paulo Freire na pandemia

Em 2021, o pensador completaria seu 100º aniversário no dia 19 de setembro. O pernambucano é considerado um dos pensadores mais influentes dos séculos XX e XXI, patrono da chamada Pedagogia Crítica e sua obra Pedagogia do Oprimido alcançou mais de 500 mil cópias mundialmente.

Crédito: Beatriz Sardinha

No ano do centenário de Paulo Freire, a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo iniciou um ciclo de eventos que comemora a obra e o pensador e se estenderá ao longo de 2021. A abertura dos eventos ocorreu no canal do Youtube da faculdade e teve a participação da ex-prefeita de São Paulo, Luiza Erundina.

O autor

O professor da FE-USP e pesquisador de Pedagogia Social, Roberto da Silva, conversou com a Agência Universitária de Notícias para abordar o centenário do autor. O docente afirma que Paulo Freire se notabilizou como educador por ser uma pessoa que “pensava sobre seu tempo e os desafios de sua época”.

Em sua trajetória de vida, Paulo Freire viveu entre 1921 e 1997. Contemporâneo do início da industrialização e do Regime Militar, o educador conseguiu observar os efeitos do analfabetismo nas regiões mais empobrecidas do país. Apesar de sua consagração como educador, é interessante mencionar que a formação original de Paulo Freire vem do estava no Direito, ainda que nunca tenha exercido a área profissionalmente.

O professor Roberto da Silva comenta que todos esses elementos conceberam forjaram Freire como pensador e acrescenta que, ainda que a obra do autor tenha um começo e um meio bem estabelecidos, esta não tem um encerramento.

Da Silva também afirma que desde o início, com a sua tese de Doutorado, e depois com seus livros de autoria única, tem-se o “vernáculo freireano”. Entretanto, quando ele começa a escrever em co-autoria, passa a extrapolar seu próprio pensamento pedagógico. O docente destaca algumas obras, como fundamentais para compreender as teorias de Freire, como Pedagogia do Oprimido, Pedagogia da Esperança, Pedagogia da Autonomia, À Sombra desta Mangueira e Cartas a Guiné-Bissau.

Novas leituras e permanência

A aparente distância da produção de Paulo Freire pode parecer que as reflexões do autor são datadas. No entanto, Roberto aponta que os pensamentos do autor condizem com a realidade de 2021. “Apesar da diferença de tempo, diria que em termos de realidade socioeconômica e cultural no Brasil, não mudamos muito. O abismo social ainda é relativamente grande, a subjugação de uma classe social por outra. A situação do analfabetismo nos arrabaldes das cidades, nos interiores, ainda é bastante expressiva. E as inclinações totalitaristas desses últimos governos também são as mesmas”, comenta o especialista em estudos do sistema carcerário.

O autor é considerado como um clássico dentro dos estudos da educação. Roberto comenta que o lugar da obra de Freire faz com que seja necessário relê-la de acordo com o contexto.   “Paulo Freire precisa ser relido depois de quase dois anos de pandemia. Penso que a volta às aulas não será a mesma. A questão da educação e da escola pública, as condições de trabalho do professorado e a política educacional por parte dos estados nacionais não serão as mesmas”, comenta.

O professor exemplifica seu pensamento com uma reflexão sobre o conceito de ‘educação popular’ de Paulo Freire que deve ser repensado, a partir do momento em que o distanciamento social impôs a necessidade de desenvolvimento de outras habilidades, além de novas culturas.

“Os próprios profissionais da educação tiveram que se renovar em relação a isso. Então o peso dessa cultura é digital e substitui aquilo que, tradicionalmente, a partir das décadas de cinquenta, sessenta anos, embasou o movimento de cultura popular brasileira. Com isso, essas e outras premissas freirianas, que se incorporaram na em em política educacional, como gestão democrática da escola pública, neste momento de pandemia perderam completamente sua capacidade de autonomia”, sinaliza da Silva.

Roberto afirma também que quando foi convidado para participar de coleções que celebram os cem anos do autor, passou a ressignificar conceitos, e a reajustá-los a uma nova realidade. Um dos conceitos que o docente ressalta nesta nova abordagem está na maneira como a Epistemologia Freireana atua e a sua relação com a Pedagogia.

O professor retoma a Pedagogia como um estudo do ser humano e acrescenta que, como ciência, atribui a Epistemologia de outras áreas do conhecimento. “Dessa forma, o pensamento de Paulo Freire se destaca ao dizer que o ser humano é inconcluso e sempre quer aprender mais. Esse pensamento não é datado. Ele está nos transmitindo uma concepção do que é ser humano e uma metodologia de aprendizagem”, conclui.

Importância dos movimentos sociais

Ainda que seja considerado por muitos acadêmicos como uma leitura clássica, Roberto da Silva afirma que, dentro da própria constituição da Academia, ainda há alguma rejeição na Universidade a Paulo Freire, que envolve seus “extratos de elite” em suas narrativas.

“Por isso Paulo Freire é tão importante para as causas dos movimentos sociais. Eles envolvem processos de conscientização. O grande medo em torno da intelectualidade dele está na possibilidade do sujeito tomar consciência dos elementos de sua repressão, e não por causa de um suposto viés revolucionário”, completa o pesquisador, afirmando que há muitos equívocos e tentativas de deslegitimação do educador.

O docente afirma que as novas pessoas que estão ocupando as universidades sentem a necessidade de trazer Paulo Freire para a discussão. “Quando uma nova população passa a entrar na faculdade e ocupar posições de poder, novas demandas são trazidas e abordagens de pesquisa completamente diversas. Isso causa um estranhamento do professorado, que está pouco acostumado com essas demandas”, afirma Roberto.

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