O surgimento de plataformas digitais de negócios, como os aplicativos de delivery, causou mudanças relevantes no mercado de trabalho brasileiro. A economia dos aplicativos conseguiu fornecer algum tipo de emprego para muitas pessoas, porém de forma altamente precarizada, acompanhando a tendência brasileira de aumento da informalidade. Tais mudanças devem vir acompanhadas de uma nova regulação, aponta Wilson Amorim, professor associado do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP.
A tecnologia permitiu novas possibilidades de organização do consumo e de estruturação do mercado a partir do uso da internet e do processamento de dados. Exemplos de destaque disso são os aplicativos de serviços, como Ifood, Uber, Uber Eats e Rappi. Essas plataformas funcionam como intermediários no mercado, conectando quem quer vender com quem quer comprar, fornecendo ainda alguém para fazer a entrega.
O professor Wilson Amorim afirma que a tecnologia em si traz benefícios e pode aumentar a eficiência e agilidade do mercado, porém uma das questões que levantam preocupações se trata da concentração de informações por essas plataformas. “Há mais informações sobre o mercado, mas há um risco enorme de que essas informações estejam sob controle dessas plataformas em prejuízo das empresas e dos entregadores”, explicou.
Essa concentração pode criar o que se chama de monopólio ou oligopólio, quando uma ou poucas empresas estão vendendo mercadoria, ou de monopsônio e oligopsônio, quando elas são as únicas compradoras de uma determinada mercadoria.
Amorim aponta também para a falta de regulação eficiente devido a esse tipo de mercado ser relativamente recente. No caso das plataformas de serviços, como os aplicativos citados, há ainda uma dificuldade em se definir claramente o que são, o que fazem e até onde podem ir. Para o professor, algumas mudanças são necessárias, dentre elas:“o surgimento de uma legislação, a formação de uma cultura de respeito ao trabalho da sociedade como um todo e a fiscalização do cumprimento das regras”.
Informalidade e precarização do trabalho
O professor associado da FEA afirma que o desmonte das instituições do trabalho geram a necessidade de substituição por outras instituições que sirvam para dar um mínimo de previsibilidade para a economia. Ainda segundo Amorim, com a Reforma Trabalhista de 2017, “foi introduzido um conjunto grande de medidas focando a flexibilização da contratação do trabalho, ou para facilitar a contratação com menor custo ou para facilitar a demissão também com menor custo”. Essa modificação da legislação do trabalho se relaciona com o aumento do emprego sem carteira assinada observado nos últimos anos.
O aumento do desemprego e da informalidade tem relações diretas com o aumento do número de trabalhadores de aplicativos. Com a falta de empregos e de vínculos trabalhistas duráveis, muitas pessoas acabam buscando outras alternativas, como trabalhar de entregador. Porém, trata-se também de uma forma de trabalho altamente precarizada. “Paga-se pouco por uma jornada extensa. Não há garantia de fornecimento de equipamentos de proteção, nem de exames médicos, porque afinal de contas ele é tido como um parceiro, um empresário que se associa à plataforma”, explica Amorim.
Devido a essas questões, o professor afirma o seguinte: “o que se deseja é que a legislação, reconhecendo o caráter específico, moderno, contemporâneo, flexível e tudo mais do trabalho vinculado às plataformas, ela reconheça também que as pessoas não podem trabalhar sem direitos”. Ele ainda lembra que desde o surgimento do regime capitalista e do trabalho assalariado, sempre houve uma necessidade de regulação diante do surgimento de novas tecnologias e de mudanças no mercado de trabalho.
Para Wilson, esse tipo de trabalho não tem de ser necessariamente carteira assinada, podendo haver outro tipo de vínculo trabalhista, desde que seja devidamente protegido e forneça um equilíbrio entre a empresa e o trabalhador.
A precariedade desse tipo de trabalho se observa principalmente em questões relacionadas à saúde, como o adoecimento e problemas psicológicos, vinculados sobretudo ao trabalho excessivo. Durante a pandemia do novo coronavírus, isso se acentuou ainda mais, com denúncias dos entregadores de negligência por parte dos aplicativos. Dentre as reclamações estão a falta de equipamentos de proteção individual e baixa remuneração.
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