Um tema que gera polêmica e está no centro do debate de políticas públicas do Brasil é do uso da maconha, seja ela medicinal ou recreativa. A opinião de profissionais da saúde acerca do tema é uma das faces dessa discussão, como mostra o estudo realizado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo por Patrícia Cruz Furtado de Melo, no qual médicos psiquiatras que são solteiros, não têm filhos e não seguem uma religião são mais liberais em relação ao uso da Cannabis do que os que são casados, têm filhos e seguem uma religião. Enfermeiros, assistentes sociais e terapêutas ocupacionais tendem a ter uma visão mais conservadora quanto ao seu uso.
A pesquisa foi realizada nas instituições Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, no Hospital Nossa Senhora de Fátima (filiado ao SUS) e no CAPS-AD (Centro de Atendimento Psicossocial – Álcool e Drogas). Segundo Patrícia Cruz, uma das dificuldades do estudo foi seu pioneirismo. “Não havia nada parecido, que perguntasse a opinião e o conhecimento do profissional (de saúde) sobre o tema”, conta.
“Considero-me bem informado sobre a maconha”
As perguntas do estudo (uma delas é a chamada deste bloco) vão desde conhecimentos teóricos (“A maconha faz mais mal que cigarro”, “Álcool é mais prejudicial que a maconha”, “O uso da maconha pode desencadear surto psicótico”) até afirmações morais sobre seu uso (“Considera-se careta e ‘conservador’ quem fala mal da maconha”, “Os pais deveriam tolerar o uso de maconha em casa”). As respostas variam de 1 a 7, conforme se concorde ou não com as afirmações.
“Uma hipótese que nós chegamos é de que os médicos tendem a ter uma opinião mais liberal por estarem em contato com a temática que outros profissionais da saúde”, diz Patrícia. A grande maioria dos estudos sobre maconha é feita por médicos, em comparação com profissionais como enfermeiros e assistentes sociais. Em se tratando de instituições, o Hospital Nossa Senhora de Fátima se mantém com um comportamento mais conservador em relação ao CAPS-AD e o Hospital das Clínicas. “A percepção envolve questões emocionais, pessoais, religiosa. Não é ligada apenas à questão pragmática. Médicos com religião tendem a não ser a favor do uso da maconha”, explica.
Efeitos positivos
O uso medicinal da maconha é milenar. Sua origem é na Ásia em 900 a.C., mas existem variedades espalhadas por todo o mundo. No corpo, há um sistema chamado Sistema Endocanabinóide (SEC): um aparelho fisiológico constituído de receptores e ligantes endógenos (do próprio corpo), responsável por diversos controles relacionados ao controle da atividade neuronal. O SEC é responsável pela resposta do corpo ao uso de canabinóides, desde respostas psicoativas (a chamada “brisa”), até neuromotoras (relaxamento muscular, analgesia, entre outros).
Por seus efeitos, é considerada uma droga útil no processo de Redução de Danos: usuários de drogas pesadas, como crack e cocaína, podem optar pelo uso da maconha (considerada uma droga mais leve), para se curar do vício. “A redução de danos é mais efetiva que a abstinência total ou a internação porque reduz o número de recaídas”, conta ela. O próprio CAPS-AD vem de uma luta antimanicomial, de retirada do sujeito de seu meio agressivo. “O sujeito sai da rua, vai para o CAPS da sua região, passa o dia lá, e pode voltar pra casa. Não tem a idea de manter o sujeito lá”.
Efeitos negativos
Apesar dos benefícios, Patrícia faz um alerta: “É preciso que se estudem os malefícios que a maconha traz. Existem muitos estudos sérios que comprovam que existem benefícios, o que é muito bom. Mas é preciso calcular os malefícios destes benefícios”. A maconha é a droga que mais desencadeia a parte psiquiátrica, desde ataques do pânico a ansiedade e depressão.
Diferente de alcoólatras e usuários de crack, onde os efeitos deletérios são físicos (emagrecimento, mudança da cor da retina, aumento das marcas de expressão), problemas psicológicos costumam ser diagnosticados em estágios mais avançados. “Outra questão também é qual será a regulamentação disso. A pessoa vai poder fumar e dirigir? Existe um prejuízo motor”, conclui Patrícia.
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