Uma escuridão que toma o céu da cidade no meio da tarde e confunde seus habitantes. Parece o fenômeno visto em São Paulo no dia 19 de agosto, mas a descrição é de um dia comum em Rondônia. O estado é um dos que mais sofre com as queimadas e suas consequências. Ainda assim, a nuvem de fumaça precisou chegar à capital paulista para que os noticiários e as pessoas dessem a devida atenção ao problema.
Há mais de um mês do dia que chocou os paulistanos, o fogo continua se alastrando pela Amazônia. Agosto deste ano apresentou um aumento de 196% das queimadas na região, comparado ao mesmo período do ano passado. Já setembro, que costuma registrar os maiores picos de queimada, não seguiu essa tendência. O número dos focos de incêndio apresentou uma queda de 20% em relação ao mesmo intervalo de tempo do ano anterior.
Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam para um cenário melhor. No entanto, o acumulado do ano ainda é preocupante. Do dia 1º de janeiro até 29 de setembro de 2019 foi registrado um número de focos de queimadas na Amazônia 42% maior que o mesmo período do ano passado. Isso falando de um bioma que não tem autocombustão, todo fogo é iniciado por ação humana.
Segundo a professora Márcia Yamasoe, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, a maior consequência desse aumento está nas mudanças climáticas. “As queimadas emitem gases do efeito estufa, material particulado e alguns outros que chamamos de precursores de ozônio. Então, no fim, o que esses incêndios emitem é poluição, ajudando a piorar o aquecimento global”.
O grande problema é o ciclo que se forma da relação entre queimadas e mudanças climáticas. Os incêndios e os gases emitidos por eles, acabam alterando as temperaturas ao redor do mundo, deixando algumas áreas mais suscetíveis a eventos extremos. É o caso dos períodos de seca cada vez mais extensos e recorrentes na Amazônia. “Isso vai ficar ainda mais comum, quanto mais quente e mais seco, mais fácil de pegar fogo”, diz Márcia.
Para a professora, que toma cuidado ao dar uma opinião fora de sua área de estudo, a motivação econômica faz com que as pessoas negligenciem o meio ambiente e atitudes de governantes abrem perigosos precedentes. “A falta de fiscalização e as leis cada vez mais flexíveis, como a que falava das áreas de proteção, que está sendo revisada. Tudo isso abre portas para o aumento do desmatamento”.
Respondendo à pressão da população e da mídia, o presidente Jair Bolsonaro decretou uma GLOA, Garantia da Lei e da Ordem Ambiental, no dia 23 de agosto e enviou o exército para combater o fogo. Cinco dias depois publicou um decreto que proibiu as queimadas no bioma por 60 dias.
No dia 24 de setembro, Bolsonaro também levantou o assunto na Assembleia da ONU. Segundo ele, “nessa época do ano o clima seco e os ventos favorecem queimadas espontâneas e criminosas”. Contudo, Márcia Yamasoe nega a possibilidade de fogo espontâneo no bioma. E, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), não tem nenhum local na Amazônia que ficou mais de 40 dias sem chuva este ano.
Apesar dos meses de agosto e setembro serem historicamente mais secos na região, a quantidade de chuvas continua a mesma se comparado ao período idêntico de anos anteriores. O que não permite que se classifique 2019 como um ano mais seco, nem que, assim, se justifique o aumento das queimadas.
Para Márcia, que comparou o Brasil com outros países da zona intertropical, o clima tem muito a ver com as queimadas. Entretanto, os maiores focos registrados pelo satélite da Nasa costumam aparecer em áreas desérticas ou semi-áridas, o que não é o caso da Amazônia. “O problema aqui é que não estamos em uma região desértica, o homem que causa incêndios e o clima acaba ajudando a fazer com que o fogo se espalhe, dificultando o controle”, termina a professora.
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