São Paulo ganha estudo sobre obesidade canina

Visitou-se diversas regiões da metrópole na tentativa de abordar o público mais distinto possível. Imagem (montagem): Samantha Prado

A obesidade é a doença nutricional de maior incidência na clínica de pequenos animais e, entretanto, carece de estudos detalhados que a caracterizem na população canina da América Latina. Levando isso em conta, na Universidade de São Paulo, produziu-se uma análise detalhada a fim de determinar a prevalência da obesidade em cães da cidade e seus fatores associados – importante para prevenir suas complicações. Trata-se da tese de doutorado de Mariana Y. H. Porsani, defendida na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ).  

Mariana explica que estudos de prevalência são difíceis pois é necessário ter uma noção da população inteira da cidade, sendo mais comum análises que partem de algum recorte específico. “Já fizeram estudos com animais de clínica, o que já mostra que eles têm um cuidado diferente. A gente queria saber como era a população real, incluindo os que não tinham acesso ao veterinário”, diz ela. Assim, foram realizadas visitas em domicílios de São Paulo, escolhidos segundo o censo dos cães domiciliados na cidade. As regiões foram determinadas por sorteio, de forma a abranger o público mais distinto possível. 

Os cães foram avaliados através do Escore de Condição Corporal (ECC) – método que consiste em inspecionar gordura das costelas, abdômen, cauda e regiões de proeminência óssea. A escala classifica os animais em abaixo do peso, condição ideal, sobrepeso e obeso. Os tutores tiveram seus índices de massa corporal (IMC) medidos e responderam a um questionário sobre condição socioeconômica e estilo de vida. 

O estudo avaliou 258 cães e 221 tutores, obtendo uma prevalência de obesidade em 14,6% e da junção de sobrepeso e obesidade em 40,5%. Houve associação de maiores ECC com excesso de consumo alimentar, presença de proprietários idosos, sexo e status reprodutivo – fêmeas castradas eram o grupo majoritário acima do peso. 

Não reconhecimento da obesidade 

A doença acarreta uma série de malefícios à saúde do animal, sendo um dos principais responsáveis por complicações que reduzem sua expectativa de vida. Decorrente de um desequilíbrio no balanço energético, esta condição pode estar relacionada a fatores genéticos, ambientais, comportamentais e socioculturais.

Apesar da seriedade desse quadro, nem todos o reconhecem como tal. “Há muitos donos que não sabem o que é a obesidade canina, mas também há muitos que sabem como ela é, mas não reconhecem que seu animal está obeso”, conta Mariana. No questionário proposto aos tutores, foi possível notar que havia uma tendência em classificar seus animais o mais próximo possível do ideal, subestimando ou superestimando os pesos. Assim, cães que estavam obesos eram apontados por seus donos como “sobrepeso” enquanto os em estado sobrepeso ou abaixo dele eram apontados como “condição ideal”. 

Esse problema advém tanto do comportamento defensivo do tutor – com receio do julgamento por não estar cuidando do seu animal da forma “correta”-  quanto da ausência de um parecer profissional sobre a situação. Muitos veterinários tornam-se relutantes em informar sobre a obesidade temendo que a informação possa ofender ou irritar os clientes. Apesar disso, Mariana acredita que o quadro vem se alterando: “hoje em dia isso é mais falado, o que deixa mais fácil do que era há tempos atrás. As pessoas estão vendo a necessidade de observar a questão do peso como um problema. O diálogo tem sido cada vez mais fácil com proprietários e veterinários mais jovens”. 

Nas últimas décadas, foi possível notar um aumento expressivo da prevalência da obesidade – sendo o número de cães em sobrepeso e obesos correspondente uma variação de 30 a 50% em diversos países. “Agora os cães são vistos como membros da família e muita gente associa dar petiscos e guloseimas com dar amor”, explica Mariana. “Em consequência o animal vai consumir um excesso de calorias que não serão gastas e isso se alia ao sedentarismo. Ficamos o dia inteiro fora de casa e o cachorro fica sozinho, dormindo, sem ter gasto de energia”.  

País de estudo Ano do estudo Sobrepeso + obesos
Estados Unidos 1999 – 2004 36,4%
França 2003 43,8%
Reino Unido 2007 59,3%
China 2008 – 2011 44,4%
Japão 2006 – 2013 54,9%
Brasil (SP) 2018 40,5%

Prevalência do sobrepeso e obesidade referente a diversos países em estudos anteriores. Dados retirados da tese de Mariana Y. H. Porsani. Tabela: Samantha Prado. 

É importante lembrar que não importa a frequência por dia que o animal coma, mas sim a quantidade – calculando a necessidade calórica do cão e dividindo a ração ou comida caseira de acordo com a frequência que ele está acostumado a receber. Mariana também aponta que não é errado dar petiscos a eles, desde que controlado. “No cálculo, a gente pode colocar até 10% como petiscos. Então, além da ração, ele pode comer o bifinho ou o ossinho, contanto que seja incluído no cálculo.”

Importância e prevenção 

A determinação da obesidade e seus fatores associados podem auxiliar o médico-veterinário a abordar de maneira mais específica tutores de cães que apresentam maiores fatores de risco. “Já usamos dados sobre a obesidade todos os dias. Sabemos quais são as causas para fazer o trabalho de prevenção, mas, com números mais exatos sobre animais acima do peso, é possível mostrar para o proprietário a gravidade dessa condição e pedir ajuda para que o clínico veterinário se atente que isso é um problema”, diz Mariana. 

A prevenção também encontra um papel importante desde os primeiros meses, sendo importante ensinar o proprietário a reconhecer a condição corporal de seu bichinho. “É legal ensinar ao dono como sentir as costelas, ver a cintura, entender como é o sobrepeso e a obesidade”, explica a veterinária. Isso poderia proporcionar que os animais fossem levados ao clínico assim que reconhecido seu problema de peso e não apenas quando sofressem de complicações decorrentes dele, como acontece na maioria dos casos.

Em inúmeros casos, as alterações causadas pela obesidade despertam complicações cardiovasculares, locomotoras, alterações respiratórias, afecções orais, dermatites não alérgicas e transtornos no controle do apetite, de funções imunológicas e neuroendócrinas. Tudo isso deixa os animais mais vulneráveis a problemas em procedimentos anestésicos e cirúrgicos. 

Por fim, o estudo sobre a obesidade canina dentro de São Paulo se faz necessário para que, no futuro, novas estratégias de prevenção e controle sejam propostas. Mariana acredita que o próximo passo seja a conscientização dos profissionais. “Focamos muito nos proprietários, mas é preciso lembrar que boa parte dos animais vai ao veterinário desde filhote, então se ele souber informar os tutores, por consequência, eles terão consciência”, conclui. 

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