Narrativas sobre transição de atletas olímpicos a paraolímpicos têm enlace na mitologia

Pesquisadora reúne biografias para aproximar o esporte paralímpico do público

As histórias dos atletas remetem à jornada do herói. Ilustração: Tainah Ramos.

No ano em que o Brasil alcançou a melhor campanha da história dos Jogos Parapan-Americanos, com 308 medalhas, Luciane Tonon teve a qualificação de seu doutorado para pesquisar a história de transição de atletas olímpicos para a modalidade paraolímpica. 

O trabalho está em desenvolvimento na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP e propõe, além de incentivar outros atletas, aproximar a sociedade do esporte paralímpico por meio de analogias literárias. Segundo o filósofo francês Gaston Bachelard, a vida é como uma linha reta em branco com pontos pretos, que representam um instante de ruptura, que requer ressignificação e recriação. 

Luciane estuda, por meio dessa filosofia, o momento decisivo em que há a passagem do caminho olímpico para o paralímpico devido a alguma eventualidade, como doenças ou acidentes. “Bachelard traz vida aos instantes que a vida nos traz. Essa é minha teoria quando o leio”.

O método escolhido pela pesquisadora para produzir esse material foi o de narrativas biográficas, em que os atletas são entrevistados e contam suas histórias. Para viabilizar o processo, ela trabalha com atletas que já participaram de pelo menos uma Paralimpíada. Ao todo, serão narradas as histórias de cinco pessoas.

As personagens

Foi acometida por múltipla atrofia dos sistemas, uma doença degenerativa. Foto: Divulgação. Ilustração: Guilherme Aquino.

 

Durante as fases eliminatórias, em 2015, veio ao Brasil, acabou contraindo meningite bacteriana e teve de amputar parte das pernas e mãos. Após um ano no hospital, conseguiu disputar a Rio 2016 como atleta paralímpico. Foto: Luis Ruas (Divulgação CBH). Ilustração: Guilherme Aquino.

 

Praticava remo na raia olímpica da USP, quando sofreu um acidente de moto, que lhe causou uma fratura exposta no fêmur da perna esquerda, fratura na tíbia e fíbula da perna direita, braço, quatro vértebras e contusão pulmonar. Foto: Divulgação. Ilustração: Guilherme Aquino.

 

Foi diagnosticado com ceratocone, uma doença que causa perda da visão. Foto: Ronaldo Nascimento (Globoesporte.com). Ilustração: Guilherme Aquino.

 

Recebeu diagnóstico de esclerose múltipla. Foto: Daniel Zappe/CPB/MPIX. Ilustração: Guilherme Aquino.

Para a literatura

Um elemento que diferencia o trabalho de Luciane é a expansão das narrativas para o campo das artes por meio de referências a clássicos da literatura mundial. “O ponto mais ousado da pesquisa é uma metanálise das histórias de vida. A proposta é fazer uma mistura das falas dos atletas com personagens das mitologias, poemas de Fernando Pessoa”, exemplifica. 

No capítulo sobre Rodolpho, ela faz uma analogia com o mito de Sísifo, pois ambos veem a necessidade de estar em concordância consigo para prosseguir e aceitar rolar a pedra. Na mitologia, por sua ousadia, Sísifo foi punido pelos deuses a rolar uma rocha repetidamente do reino dos mortos até o cume da montanha, de onde ela rola novamente. Ele realiza um trabalho sem fim, mas apesar disso, ele demonstra sua consciência e sua força perante o destino. Desse modo, Rodolpho também é um herói consciente e que demonstrou ser mais forte que sua pedra.

Essa ideia não se retém a um apelo estético. Trazer a arte para narrar essas biografias tem o objetivo de colocar o leitor dentro dos relatos, criando um elo com elementos já conhecidos no imaginário popular. Segundo a pesquisadora, esse é um modo de atrair, por meio da identificação, pessoas que não costumam ter contato com artigos científicos e, assim, aproximá-las da ciência.

Movimento ascendente

Restringir saúde somente ao aspecto físico-biológico é uma visão retrógrada. É necessário explorar e pesquisar saúde também nos âmbitos socioculturais e psíquico-emocionais, por isso ela enfatiza que não é um trabalho técnico, sua área é a da subjetividade.  “Essas histórias de vida por si só já são fantásticas, não apenas para incentivar pessoas que tenham passado por situações semelhantes, mas também por mostrar como esses atletas enfrentaram a vida. Não se pode modificar o fato, mas é possível minimizá-lo para seguir adiante”.

De um ponto de vista mais pragmático, ao colocar a câmera em frente ao seu entrevistado e pedir-lhe apenas que conte sua história, é possível mapear outras pesquisas a serem feitas na área da saúde e da pedagogia esportiva. Ao recontar os eventos, o atleta oferece detalhes sobre a dor física e emocional, o incentivo de um educador físico, o impacto do apoio familiar e a necessidade de aderência à realidade.

O material produzido é uma peça de incentivo ao esporte paralímpico no Brasil e coincide com um momento em que este se apresenta em crescimento. “Já foi o tempo em que o esporte era apenas reabilitação para o atleta paralímpico. Hoje ele está em alto rendimento e treina tanto quanto um olímpico”, destaca a pesquisadora. O recorde nos Jogos Parapan-Americanos de 2019 reflete essa busca pelo alto rendimento e também revela os efeitos dos investimentos feitos, durante os últimos três anos, em centros paralímpicos, especialmente, por meio de acordos com universidades públicas.

1 Comentário

  1. Maravilhoso esse texto PARABÉNS Tainah Ramos ! Grande jornalista voce ! Perfeito ! Muita dedicação , muito amor por um trabalho tão lindo e verdadeiro! Perfeito PARABÉNS !

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*