Segundo o Ministério da Saúde, em 2018, cerca de 20% da população do Brasil sofria com a obesidade, enquanto o sobrepeso atingia aproximadamente 54% dos brasileiros. E os resultados são ainda piores entre os jovens, faixa etária mais atingida pelo excesso de peso. Além disso, esses problemas são fatores de risco para várias outras doenças, como hipertensão, doenças cardíacas e diabetes do tipo 2.
A partir da instalação da obesidade e do sobrepeso ocorre o início de um problema inflamatório que se inicia no tecido adiposo. Com isso, um processo de resistência à insulina pode ser iniciado, o que significa que as células do corpo passam a responder cada vez menos à essa substância. Assim, a diabetes do tipo 2 pode ser desencadeada.
Mediante esse contexto, Layanne C.C. Araújo, sob orientação da professora Carla Roberta de Oliveira Carvalho, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, produziu uma tese de doutorado que descobriu uma maneira de aumentar a sensibilidade à insulina e diminuir a inflamação causada pela obesidade com o uso de um fitoterápico, a Uncária tomentosa – uma trepadeira originária de regiões tropicais e equatoriais.
Segundo a professora, diabetes do tipo 2 é a mais comum entre a população, e a obesidade vem aumentando muito em nível mundial, dois fatores que motivaram a pesquisa. “Esse foi o grande foco do trabalho. E como essa é uma questão inflamatória, a ideia foi testar um anti-inflamatório que já estivesse na lista do SUS, de preferência um fitoterápico”, acrescenta Carla.
Ela ainda explica que a escolha foi por um medicamento que já estivesse na lista do SUS por dois motivos. O primeiro, por ele já ter sido testado quanto à sua toxicidade, e segundo, para tentar descobrir um novo uso para a substância.
Para realizar a pesquisa, um extrato da Uncária tomentosa foi aplicado em camundongos – tendo como parâmetro doses indicadas a seres humanos – para testar a sensibilidade à insulina. Assim, observou-se que mesmo em um curto período de aplicação – cinco dias – houve uma melhora considerável na sensibilidade dos camundongos à essa substância. “A gente viu que o tratamento com essa dose, por cinco dias, melhorou a sensibilidade à insulina, o consumo de oxigênio, também houve uma melhora do quadro inflamatório associado à obesidade e reduziu cerca de 10% do peso do animal”, explica Carla.
Ainda de acordo com ela, esse último resultado observado é algo muito interessante para a pesquisa: “Em seres humanos, principalmente os obesos, perder 10% da massa total já representa uma melhoria metabólica fantástica”.
A professora conta ainda que um outro foco do estudo foi o fígado, visto que uma das complicações da obesidade é a doença gordurosa hepática não alcoólica, ou fígado gorduroso: “A gente usou essa condição para estudar se a melhora da sensibilidade à insulina e essa perda de peso poderiam interferir na doença gordurosa hepática, e foi isso que a gente viu”.
Carla salienta a importância de se encontrar um tratamento para o fígado gorduroso, pois, segundo ela, não há medicamentos específicos para o problema, existem apenas propostas que causam diversos efeitos colaterais. Assim, um caminho muito utilizado para tratar a doença tem sido a cirurgia bariátrica. “Está conseguindo reverter o quadro, porque as pessoas emagrecem. Acho que é uma estratégia de tratamento interessante, mas, na minha opinião, a alternativa cirúrgica deve ser a última a ser escolhida”.
A pesquisadora também explica que existem dois tipos de Uncária, a tomentosa – utilizada no estudo – e a guianensis. Agora, um dos objetivos é verificar qual delas é mais eficiente para essa finalidade. “A parte da planta utilizada no estudo era provinda do córtex da raiz. A ideia é a gente testar caule, folha e raiz das duas Uncárias para comparar e ver se o efeito se reproduz”.
A pesquisa durou aproximadamente quatro anos, e agora, Carla também tem o objetivo de seguir para o próximo estágio, com teste em seres humanos: “Estamos estudando a possibilidade de fazer o estudo clínico com pacientes, para ver se observamos sinais semelhantes”.
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