Estudo mapeia casos de violência sexual atendidos no HC

O serviço especializado para essas vítimas teve registros de mais de 10 anos analisados

Ambulatório de recepção às vítimas de violência sexual no Hospital das Clínicas. Crédito: Isabelle Vera Vichr Nisida/ Arquivo pessoal

Os atendimentos prestados a vítimas de violência sexual recebidas até 72 horas após as agressões foram analisados no Hospital das Clínicas para a caracterização da população que buscou o serviço entre 2001 e 2013. O estudo, doutorado da infectologista  Isabelle Vera Vichr Nisida, aprovado este ano pela Faculdade de Medicina da USP, obteve ainda as taxas de adesão e continuidade em relação aos tratamentos propostos, bem como tentou entender as barreiras que fazem as vítimas interromperem-nos.

As características analisadas nos 199 pacientes estudados incluíam sexo biológico, idade (entre maiores e menores de 14 anos), nível de escolaridade e cor da pele (autodeclarado). Averiguou-se também os locais onde os episódios aconteciam e a relação da vítima com o agressor.

Sobre essa área do estudo, verificou-se que, nas palavras da especialista em sexualidade humana Isabelle Nisida, “meninos e meninas menores de 14 geralmente foram igualmente violentados por agressor conhecido, dentro do lar ou no entorno, por pessoas que transitam no meio de vida das vítimas”.

Quanto à ocasião e ao local dos episódios violentos, houve variação vinculada à idade. Se no caso dos menores de 14 anos, acontece mais no domicílio ou vizinhança e por conhecidos, no dos maiores, “é o contrário”, afirmou Isabelle. Ela explica: “Normalmente se dá nos trajetos, na rua, e os agressores costumam ser desconhecidos.”

A médica, que atende vítimas de violência sexual há mais de 20 anos, cita, no entanto, que encontrou limitações mesmo em casos de maiores. “As pessoas que procuram atendimento” e, logo, as que foram contempladas pelo estudo, “geralmente são as que foram agredidas por desconhecidos, inclusive porque as que sofrem violência em casa normalmente não conseguem buscar um serviço. É difícil chegar à violência doméstica.”

Quanto ao perfil dos agressores, tanto a tese de Isabelle quanto a literatura científica mundial, apontam para homens, já que, segundo a pesquisadora, são muito poucos os casos cometidos por mulheres, seja na violência sexual infantil ou na adulta. Ao perfil feminino, estes mesmos materiais traçam a posição estatística de violentadas independentemente da orientação sexual.

“Na epidemiologia, é lógico que a violência à mulher acontece muito mais e é mais visibilizada, o que envolve questões como a da violência de gênero. Mas é um mito que não existam homens que sofrem com isso também, tanto adultos quanto crianças”, complementa Isabelle. Ela acrescenta: “Nos casos masculinos, os pacientes maiores de 14 anos estatisticamente sofreram violência sexual por mais de um agressor e o trauma físico foi maior”. Dos 199 pacientes do estudo, 20% foram do sexo masculino.

Nos casos em que há contato com o material biológico, a primeira etapa do tratamento dura 28 dias, com a medicação para prevenção pós-exposição sexual da infecção por HIV. É por conta dessa profilaxia, ou seja, do cuidado preventivo em relação ao vírus que foi feito o recorte das 72 horas após a violência depois desse período, o tratamento não é eficaz.

Do total, 65% dos pacientes completaram essa fase, o que é uma porcentagem alta em relação ao mundo países desenvolvidos conseguem até 30% de adesão ao tratamento. Entre os motivos, existe o fato de que, diferentemente do Brasil, nesses países a medicação não é fornecida gratuitamente.

O tratamento inclui também a aplicação de outros tratamentos preventivos a doenças sexualmente transmissíveis (como sífilis e gonorreia) e acompanhamentos a possíveis doenças adquiridas que podem vir a se manifestar (como HPV), além de psicoterapia. O atendimento conseguiu reter 45% dos pacientes por seis meses.

A psicoterapia é um fator vinculado à permanência do paciente e deve se iniciar juntamente com o tratamento, não possuindo um prazo final. Para que a vítima a faça, ela deve “ser bem acolhida desde a chegada e poder confiar naquelas pessoas que a estão atendendo”. Entre os responsáveis estão infectologista, ginecologista, enfermeiro, assistente social e aqueles que fazem a primeira recepção da vítima no hospital.

O cuidado integral às vítimas começa desde a porta do pronto-socorro por onde elas entram e podem contar com funcionários instruídos que a encaminharão para o acolhimento propriamente no local. A partir disso, o corpo clínico já tem uma logística pronta para recebê-la no Hospital das Clínicas, que é um modelo nesse tipo de cuidado a vítimas de violência sexual. O objetivo do serviço é, segundo Isabelle, o de que “o paciente consiga restabelecer uma vida que tenda à normalidade”.

Ela diz ainda que os pacientes que conseguem chegar ao atendimento são heróis e que um objetivo futuro é pesquisar quais são as barreiras anteriores, que impedem que a vítima acesse o serviço.

Isabelle Nisida (a terceira da esquerda para a direita) é parte do Núcleo de Atendimento a Vítimas de Violência Sexual (NAVIS), responsável pelo cuidado integral das vítimas no HC. Crédito: Isabelle Vera Vichr Nisida/ Arquivo pessoal

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