Regulações impactam processo de crédito para pessoas de baixa renda

Monitoramento no setor de microfinanças afeta forma e consolidação de empréstimos

Produtos de microcrédito oferecidos por instituições como o Banco do Nordeste sofrem com regulação / Imagem: Banco do Nordeste / Divulgação

O setor de microfinanças é aquele direcionado à população de baixa renda, que apresenta produtos e serviços destinados a essa parcela populacional excluída do sistema financeiro. “Elas abarcam atividades como micropoupanças, microsseguros e, em especial, o microcrédito. Esse último pode ser entendido como empréstimos de baixo valor concedidos a pessoas de baixa renda”, explica Rafael Lopez Andreotti, pesquisador do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP). Na dissertação “Efeitos da regulação sobre o setor de microfinanças: apontamentos sobre os casos de Brasil e México”, elaborada para o Instituto, Lopez avaliou o impacto da regulação desse setor no México e no Brasil, países em que cresceu amplamente entre a população.

A maneira de conceder crédito no Sistema Financeiro Tradicional apresenta diversas dificuldades, destaca Rafael. Dentre elas, aponta: a falta de alinhamento das informações entre as instituições financeiras e o cliente, o que cria uma problemática para medir a viabilidade econômica desses empréstimos e gera risco para as operações de crédito. “Muitos clientes de baixa renda acabam por ser excluídos e não ter acesso a transações de crédito”, destaca.

Para entender a regulação desse setor em cada país, é necessário compreender primeiro como a população participa dele. Há três formas: a primeira, pela criação de uma instituição que atue com microcrédito. A segunda, o processo chamado de transformação, em que uma instituição sem fins lucrativos se registra como financeira, passando a ser sujeita a regulação e supervisão, mas conseguindo disponibilizar mais crédito e serviços para mais clientes. A terceira trata do processo de downscaling, quando uma plataforma bancária expande suas operações para as microfinanças a fim de atingir um novo mercado. Cada estratégia, destaca Rafael, possui um impacto diferente: “A forma como são delineadas a regulação e a supervisão financeira, as “regras do jogo” e a forma como se dá seu monitoramento, acabam por influenciar a adesão (ou não) a essas alternativas”.

Diferenças entre México e Brasil

Brasil e México são as maiores economias do continente e adotaram diferentes caminhos para tratar das microfinanças. Andreotti aponta que cada país possui empresas de destaque no setor para a América Latina, e cada uma reflete condições internas de cada realidade. São elas o Programa Crediamigo, da instituição pública brasileira Banco do Nordeste, e o mexicano Banco Compartamos, que evoluiu de uma instituição sem fins lucrativos para um banco público.

O pesquisador aponta diferenças para o fenômeno no Brasil e no México: aqui, houve um desenvolvimento formado por poucas organizações da sociedade civil através do envolvimento governamental, oferecendo produtos de microcrédito diretamente (pelo Banco do Nordeste e Bancos do Povo, por exemplo), e desenvolvimento modelos de regulamentação, como o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado – PNMPO).

No México, o setor cresceu praticamente sem regulamentação, principalmente a partir da década de 1990. Haviam diversas instituições relacionadas com crédito e poupança, com algumas tentativas de controle governamental a partir de 2000, com a criação das Sociedades Cooperativas de Ahorro y Préstamo – SOCAPs. Mesmo assim, houve ampla resistência na adesão, e o setor continuou tendo mínima participação do governo: “Enquanto no Brasil houve um movimento governamental no sentido de promover o desenvolvimento do setor, no México houve uma tentativa de regulamentar um setor que até certo ponto crescia de forma autônoma, ainda que desorganizada”, concluiu Rafael.

O que se vê mais afetado com a regulação?

A depender do grau de regulação e controle, algumas variáveis relacionadas às Instituições de Microfinanças (IMFs) sofrem maior ou menor alteração, contribuindo para a sua disponibilidade de serviços, são elas: o alcance das instituições, a capacidade de atrair clientes, sua sustentabilidade financeira (capacidade de manter operações e promover crescimento), a adimplência (pagamentos em dia) e a estrutura geral do setor, quantidade de instituições e até quantidade de recursos.

No Brasil, Rafael mapeou a legislação atual na atuação das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), das Sociedades de Crédito ao Microempreendedor e Empresa de Pequeno Porte (SCMEPPs) e das Cooperativas de Crédito no setor de microfinanças. As variáveis mais alteradas foram referentes aos patamares altos ao exigir patrimônio líquido, limite de juros e a retirada de restrições geográficas e populacionais de atuação. Ou seja, as variáveis mais afetadas pela regulação seriam vinculadas a esses aspectos.

No México, foram a exigência de capitalização (aplicação ou acumulação de capital) e diversificação de riscos, a liquidez (capacidade de pagar contas em dia) e o capital de entrada exigidos, além da burocracia progressiva de acordo com o tamanho da empresa.

Para o estudo de caso, houve dificuldades na obtenção de informações de cada país. A legislação, possivelmente pela maior atuação governamental, foi mais acessível, possibilitando conclusões relacionadas a esse aspecto, com menos dados quantitativos disponíveis. No México, ocorreu o oposto. Em relação a isso, Rafael destaca: “É um estudo que, mesmo que não tenha resultados consistentes sobre suas hipóteses, define possíveis caminhos para a regulação do setor, para a pesquisa ou para o desenvolvimento de políticas públicas”.

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