Estudo analisa variações climáticas no Oceano Atlântico ao longo de 20 mil anos

Objetivo é analisar temperatura e salinidade desde o período correspondente ao Último Máximo Glacial para auxiliar registros contemporâneos sobre o clima

Fotomicrografias de espécies de foraminíferos planctônicos, protozoários utilizados no estudo. Imagem: Google Imagens.

Uma pesquisa realizada no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo se propôs a analisar mais de 20 mil anos de mudanças climáticas globais. A tese de doutorado de Ana Cláudia Aoki Santarosa pôde concluir que há influência substancial da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico na temperatura e salinidade do Oceano Atlântico, próximo da costa sudeste do Brasil. Ao longo do estudo também foram comprovadas novas condições dos métodos de análise dos indicadores biológicos utilizados para medição.

A área de estudo de Santarosa, chamada de Paleoceanografia (uma subdivisão da Oceanografia Geológica) busca analisar os oceanos no passado, antes dos registros instrumentais. Ela conta que o registro global de temperatura da superfície do oceano na literatura científica data de 1850, “quando você tem diversos pontos do mundo onde são medidas as temperaturas”. A partir das análises de longos períodos é possível mensurar o quanto o homem é responsável pelas mudanças climáticas que vêm sendo observadas.

“A minha pesquisa está focada nesse contexto, de estudar as variações climáticas do passado. Desde o máximo da última glaciação, entre 19 e 23 mil anos, que é quando houve um pico de glaciação, quando o volume de gelo sob os continentes era máximo” explica a pesquisadora. E analisar as consequências dessas variações na região chamada de Margem Continental Sudeste Brasileira. Para isso foram usados indicadores biológicos: foraminíferos planctônicos, protozoários que secretam uma carapaça de carbonato de cálcio (espécie de concha) ‒ quando morrem, a carapaça fica depositada no fundo do oceano. Segundo Santarosa, são bons indicadores por serem extremamente sensíveis às variações de temperatura e salinidade, objetivos de seu estudo.

Indicadores biológicos

A partir do estudo da ecologia desses protozoários é possível saber suas preferências ambientais. Com base na concentração de carapaças de certa espécie, a pesquisadora é capaz de determinar se a temperatura naquele local era mais alta ou mais baixa em certo período de tempo. Além disso, também é estudada a geoquímica das carapaças, e feita a datação através da técnica de Carbono 14. “O tamanho deles é da ordem de micrômetros. A gente chama de microfósseis. 180, 200 micrômetros”.

Os testemunhos foram coletados na Bacia de Campos e na Bacia de Santos, ambos próximos a 100 km da costa brasileira. Das cerca de 40 espécies existentes de foraminíferos no mundo, Santarosa identificou 30 delas nas amostras, “Eu faço a contabilização deles e me dá uma porcentagem relativa das espécies. Aí faço uma série temporal de cada uma dessas espécies, da variação dela ao longo do tempo. Dos 25 mil anos até hoje, quanto a espécie variou. Para dar a datação a gente utiliza a técnica de carbono 14” explica.

Além da análise quantitativa, também foram feitos experimentos com elementos químicos, no caso magnésio e cálcio. Isso porque a concentração de ambos os elementos no conjunto de carapaças é diretamente proporcional à temperatura do ambiente. Sendo assim, quanto maior a temperatura, mais magnésio é incorporado à carapaça do protozoário.

Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico

O estudo foi capaz de indicar a influência da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico na temperatura e salinidade do Oceano Atlântico durante o período analisado. Essa célula consiste em um segmento de uma circulação global, chamada de Circulação Termohalina (“termo” de temperatura, e “halina” de sal). Ela garante a movimentação das águas, difundindo esses dois fatores para locais que não são capazes de propiciá-los sozinhos, já que em diferentes partes do globo há diferentes temperaturas e graus de salinidade. “Essa circulação é bem importante porque ela é responsável pela manutenção do equilíbrio de temperatura, do clima do planeta. Ela leva calor para regiões mais frias e traz essa água mais fria para regiões mais quentes” resume a pesquisadora. A célula de revolvimento é, portanto, uma parte dessa circulação que passa pela costa brasileira.

Ela ressalta ainda que o estudo da Paleoceanografia no Brasil é muito recente, com cerca de 10 a 15 anos, e por isso carece de estudos para a região do Atlântico Sul. Apesar do escasso conhecimento, a importância da região é extrema por funcionar como uma grande exportadora de calor para regiões mais frias, ao norte, atuando na manutenção do clima global.

Esquema simplificado da Célula de Revolvimento Meridional. Imagem: Google Imagens.

Reconstituir o passado para entender o presente

“Ao longo dos 26 mil anos a gente conseguiu ver a resposta desses foraminíferos frente a essas variações. Então como eu estava interessada naquela circulação da célula de revolvimento, eu fui colocando hipóteses”. Com esse método, foi possível chegar à conclusão de que, no passado, quando a célula estava menos intensa, a região do Brasil teve acúmulo de calor e salinidade, justamente por não haver essa exportação de calor para as latitudes mais elevadas.

Durante o período do Último Máximo Glacial, Santarosa pôde ver que a variação de temperatura foi muito menor na região do Brasil (cerca de 0,6 a 1,2 ºC) se comparada às temperaturas de outros locais, como por exemplo a Europa, em que houve uma variação de até 10 ºC.

Santarosa acredita, contudo, que a grande contribuição de seu trabalho para a comunidade científica está na comprovação no caso de uma intensificação ou desaceleração dessa grande circulação. O estudo é capaz de prever e auxiliar diversos outros acerca de análises da temperatura regional e global no futuro.

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