Um estudo promovido na Faculdade de Medicina da USP (FM) concluiu que a assistência frente a casos de violência de gênero contra à mulher ainda é negligenciada por profissionais da saúde. Idealizada pela Dra. Maria Fernanda Terra, a pesquisa revela que, se tratando de atendimento primário ー porta de entrada para o sistema único de saúde (SUS) ー, mesmo quando esses profissionais tomam conhecimento acerca de episódios de violência, na maior parte das vezes as agressões só são tratadas pelas equipes se a vítima possui filhos pequenos ou quando elas próprias pedem ajuda direta.
A pesquisadora afirma que “A violência doméstica é a principal causa de lesões de diferentes naturezas em mulheres com idade entre 15 e 44 anos”, o que leva as vítimas a procurarem atendimento médico para reportar problemas físicos que na maioria das vezes são consequências de agressões domésticas, em especial praticadas pelos próprios cônjuges: “As queixas são múltiplas. Aparecem como dores no corpo sem localização precisa, abortos, infecções sexualmente transmissíveis, dificuldade para o autocuidado, para o cuidado dos filhos e muitos problemas que impactam na saúde, na vida social da mulher.”.
Os casos de violência de gênero são tão constantes e geram tantas consequências no âmbito social, que no ano de 2013 a organização mundial da saúde (OMS) definiu a violência contra a mulher como um problema de saúde pública. No Brasil, por exemplo, uma em cada três mulheres afirmam já terem sofrido algum tipo de violência, mostrou um levantamento realizado em 2010. Outro ponto que deve ser salientado é que nem todos os casos de agressão são notificados e entram no censo, o que pode elevar ainda mais esse número.
A pesquisa foi elaborada através de entrevistas com pacientes vítimas de agressão indicadas por quatro unidades básicas de saúde (UBS) da zona oeste de São Paulo. Também foram entrevistados os profissionais da saúde responsáveis pelo tratamento dessas mulheres. Os resultados mostram que os funcionários das UBS, embora muitas vezes percebam que a paciente está em uma situação de vulnerabilidade social e que sofre agressões, não agem no sentido de tratar a real problemática que é a violência de gênero, porém se voltam somente ao cuidado das mazelas geradas pelas agressões ー das dores físicas ou desgastes psicológicos ー quando a vítima não pede socorro diretamente.
Nos casos em que as vítimas são mães de crianças, principalmente quando os filhos também estão em situação de risco, os profissionais da saúde sentem-se responsáveis em tratar do caso. Porém, via de regra, direcionam o foco assistencial para o restabelecimento da estrutura familiar, inviabilizando as mulheres e suas necessidades.
A pesquisadora pontua que, por vezes, o sistema de saúde invisibiliza a mulher porque assiste apenas a enfermidade, desconsiderando o nicho social da paciente: “No serviço de saúde ela se torna invisível porque os profissionais de saúde aprenderam a olhar apenas para a doença, distanciando o contexto social como marcador importante para que a doença se estabeleça”. E conclui que, “Nesse contexto, tendem a reduzir o problema que é social ao biológico. Então a violência até aparece, mas é medicalizada e tratada como uma parte do corpo doente.”
Terra ainda pondera que a cobrança para o cumprimento de normas já existentes, como a denúncia acerca de mulheres vítimas de agressão, é um dos vieses efetivos que pode minimizar a problemática. É preciso promover “o resgate da responsabilidade do setor da saúde em enfrentar, coibir a violência como parte de sua responsabilidade, como está descrito na Lei Maria da Penha.”. A pesquisadora também afirma que, “cabe lembrar, a violência contra as mulheres não é um problema específico dos setor saúde, mas este tem sim a sua responsabilidade.”
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