Projeto busca mapear influências do homem no fundo do oceano

Objetivo é gerar primeiro inventário sobre acumulação de materiais antropogênicos em sedimentos marinhos do Atlântico Sudoeste

O navio do Instituto Oceanográfico, Alpha Crucis, no porto, antes de sair para a primeira expedição de coleta de dados. Imagem: Luiz Antônio Pereira de Souza.

Um projeto temático em andamento no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo tem como intenção avaliar o potencial de acumulação de materiais derivados de atividades humanas no oceano. A área de pesquisa se concentra nos depósitos lamosos profundos localizados nas plataformas continentais, “mudbelts”, no fundo do oceano, porém relativamente próximos da costa. Por terem características sedimentológicas, ou seja, serem lugares de deposição de sedimentos, essas áreas que concentram lama podem estar absorvendo materiais provenientes da ação humana.

Márcia Bícego, coordenadora do projeto e professora associada do Instituto de Oceanografia da USP, conta que o objetivo é analisar os mudbelts localizados nas regiões Sudeste e Sul do Brasil, de São Sebastião ao Chuí. Iniciado em 2016, tem duração até 2021. Até agora já foram realizadas coletas de São Sebastião à Florianópolis. A próxima etapa é partir de Florianópolis novamente e chegar até a região do Chuí. “Faz parte disso a gente primeiro mapear esses depocentros lamosos” explica a professora.

Plataformas continentais são ambientes muito sensíveis na interação continente-oceano e por isso podem ser um destino para materiais antropogênicos. Possuem cerca de 120 a 160 metros de profundidade. De acordo com Bícego, normalmente essas plataformas são arenosas e por isso possuem um sedimento de tipo mais grosso. Contudo, em algumas áreas há esses depocentros lamosos, espécie de cinturões de lama, que são considerados anômalos. Sua gênese vem de um processo tectônico de abertura que possibilita a deposição do material.

“Quando há lama, há uma deposição maior de matéria orgânica. Eu trabalho com química orgânica marinha, então o meu negócio é lama” comenta. A ideia é analisar se essas regiões poderiam ser depósitos também de poluentes provenientes da ação humana, em busca de algum sinal de mudança do ambiente a partir da influência antrópica. Uma vez confirmado isso, o próximo passo é descobrir essa origem. Bícego traz algumas teorias: “Pode estar sendo influenciado pelo Rio da Prata, que consegue vir pela plataforma através da corrente costeira, pode estar vindo pelo continente adjacente, ou pela atmosfera”. A avaliação está sendo feita através da associação das características tanto sedimentológicas, quanto geoquímicas dos sedimentos presentes nos mudbelts, a partir do estudo de compostos orgânicos e metais.

Outro pesquisador envolvido no projeto é Jorge Passos, aluno de doutorado também do Instituto de Oceanografia da USP. Ele está desenvolvendo sua tese em cima de dados dos mudbelts coletados nas expedições. Sua área de estudo, diferentemente de Bícego, é a Geofísica. “O papel da Geofísica nisso tudo é interpretar a morfologia desses depósitos de lama” explica Passos. A morfologia envolve o estudo da forma desses depósitos, tanto da superfície, quando da profundidade, além de ser capaz de determinar como ele é por dentro. Sua parte do projeto, portanto, é entender o desenvolvimento dos mudbelts.

Desde a última coleta, todos os dados já foram processados e estão em etapa de interpretação e identificação. Passos destaca a dificuldade de separar os dados que cabem ao objetivo do projeto, e o que pode ser temporariamente descartado. Quanto a isso ele dá um exemplo prático: “Nós conseguimos identificar depósitos que parecem paleopraias submersas. São dados interessantes, porém para a arquitetura dos mudbelts eles não têm tanta importância agora”.

Foi identificado que muitos desses depósitos dispostos estão formados sob resquícios de rios antigos que existiam quando o nível do oceano era muito mais baixo, chamados de paleovales. Uma das questões que está sendo investigada no momento, na área da geofísica, é se há uma relação entre a localização desses paleovales e a morfologia imediatamente acima dos mudbelts.

Expedições no Alpha Crucis

As expedições foram realizadas com a embarcação do próprio instituto, de nome Alpha Crucis. Para coletar os dados e amostras para análise são utilizados dois equipamentos: o Multiple Corer e o Perfilador Geoacústico de Subfundo. Enquanto o primeiro trabalha com coleta de amostras, o segundo utiliza-se da emissão de ondas acústicas.

Na imagem acima o Perfilador Geoacústico de Subfundo, localizado na parte inferior externa do navio Alpha Crucis. Imagem: Luiz Antônio Pereira de Souza.

O Multiple Corer é um equipamento extremamente sofisticado. Consiste em um sistema pesado de tubos que é lançado no fundo do mar. Quando é puxado para a superfície, traz consigo os sedimentos intactos. Com essas amostras é possível analisar em laboratório se há presença de poluentes. Segundo Bícego, elas são coletadas bem próximas da costa, de 60 a 90 metros de profundidade.

Já o Perfilador Geoacústico de Subfundo consiste na emissão de estalos acústicos gerados no navio. A onda se propaga na coluna d’água e atinge o sedimento. Uma parte volta para o navio e outra penetra o sedimento. O equipamento registra o tempo que a onda demora para voltar ao navio e com essa diferença é possível estimar a profundidade daquela camada.

Hipóteses e resultados surpreendentes

Bícego explica que uma área está poluída se há um composto com concentrações excessivas, que causam algum efeito. Às vezes podem até ter origem natural, como os metais. “A nossa hipótese é a de que a gente não vá encontrar concentrações altas como a gente encontra, por exemplo, no estuário de Santos, que é uma área que está muito próxima da fonte. Mas a gente imagina que vá encontrar alguma coisa, e nós queremos saber qual é o tamanho, qual a concentração” ela destaca. E completa: “A gente já olhou algumas amostras, e a minha hipótese era de que a concentração era bem baixa, mas está maior do que eu imaginava”.

A professora defende que essas descobertas podem auxiliar nos estudos e ajudar a contar uma história sobre os processos ao longo da plataforma.

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