Uma das poucas verdades que se sabe sobre o Universo é que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço simultaneamente. Mas e se um corpo pudesse estar, ao mesmo tempo, dois pontos do espaço? Por mais difícil que seja para nossa mente assimilar essa ideia, isso é possível e pode ser cientificamente comprovado.
A mecânica quântica que surgiu na década de 1920 como uma teoria desenvolvida para explicar o comportamento de átomos, moléculas e outras partículas microscópicas. Por ser capaz de esclarecer muito sobre química e física nuclear, esta teoria teve sucesso imediato.
Entretanto, apesar de cientificamente comprovada, existe uma série de peculiaridades dentro da mecânica quântica que são absurdamente diferentes de tudo que os cientistas conheciam como verdade. Isso não impediu que a teoria continuasse fazendo sucesso. Afinal, ela funciona bem e explica muito sobre a natureza, mas durante décadas questionamentos sobre a mecânica quântica não foram respondidos.
Isso começou a mudar somente na década de 1960, quando o físico irlandês John Bell propôs experimentos que pudessem comprovar a existência destas propriedades peculiares. Estes experimentos começaram a ser realizados a partir da década de 1980 e continuam sendo explorados até hoje. E todas as evidências apontam que, de fato, apesar de contraintuitiva, a mecânica quântica está correta.
Gabriel Landi, pesquisador e professor do Instituto de Física da USP, tenta entender estas “propriedades exóticas” pelo ponto de vista da termodinâmica, área da física que estuda as causas e efeitos das mudanças de temperatura. A partir disso, ele desenvolve teorias para explicar experimentos que podem ser importantes em aplicações reais, como computação quântica, redes de comunicação mais seguras e até sensores mais precisos.
O exemplo dado no começo deste texto trata a possibilidade de um sistema estar simultaneamente em dois pontos do espaço. Isso se chama coerência quântica e é um dos acontecimentos estranhos que são possíveis dentro da teoria. “É claro que é muito difícil fazer isso com objetos macroscópicos, como uma mesa. Mas com objetos microscópicos, átomos, moléculas, isso é possível. Você pode colocá-las em dois lugares ao mesmo tempo”.
O emaranhamento quântico é outro fenômeno famoso dentro da mecânica quântica. Suponha que existam duas partículas emaranhadas, elas podem estar muito distantes uma da outra, inclusive em galáxias diferentes, se alguém fizer algo com uma das partículas, a outra é afetada imediatamente. “Essas coisas estão completamente fora da caixinha, não fazem o menor sentido para nosso cérebro, mas existem e são reais”.
Em seu último estudo, Landi trabalhou com o conceito de irreversibilidade. A termodinâmica estabelece limites do que pode e do que não pode ser feito. Não é possível reunir todo o calor que está espalhado pelo oceano e utilizá-lo para abastecer um foguete, por exemplo. Ou seja, esse processo é intrinsecamente irreversível.
A segunda lei da termodinâmica impede que um calor distribuído por um corpo seja reunido em um único ponto. Por outro lado, se um corpo muito quente entra em contato com outro, o calor se difunde e espalha. Ou seja, um processo ocorre, mas o contrário não, este é o conceito de irreversibilidade. Assim, se você pegar um balde de água quente e colocá-lo em contato com um de água fria, o calor é transmitido de um para outro até que ambos atingem a mesma temperatura e o sistema estabiliza.
Na escala microscópica, entretanto, isso não ocorre. Se você pensar em apenas dois átomos com temperatura diferentes, o calor vai oscilar entre os dois indefinidamente, de modo que sempre terá um átomo mais quente e outro mais frio. Neste caso, se fala que o processo termodinâmico é reversível. “A física no nível microscópico é reversível mas, no macroscópico, não. Isso significa que em algum ponto há uma transição e, conforme o tamanho do sistema aumenta, a irreversibilidade aparece”.
Entender em qual escala a troca de calor passa a ser irreversível representaria ganhos gigantescos para o estudo da computação quântica, uma vez que todos os processos de um computador envolvem perda de calor e energia. Imagine o que seria, por exemplo, ter um celular capaz de absorver a energia que ele perdeu para o ambiente e voltar aos 100% de bateria.
A pesquisa do professor Landi investigou a irreversibilidade em dois experimentos em um sistema mesoscópico, isto é, um sistema que é está exatamente na transição entre o micro e o macroscópico. O principal objetivo do experimento foi simular, em escala intermediária, o que acontece em nossa realidade.
Por exemplo, se uma chama de fogo for ligada em uma das extremidades de uma barra de ferro, e a outra for colocada em contato com uma piscina de água, o calor que sai da chama fluirá entre a barra até entrar em contato com a água e será dissipado. O processo é irreversível, a barra de ferro não consegue reabsorver o calor da piscina.
Já se sabe que em sistemas microscópicos o processo contrário acontece, mas será que no mesoscópico também? Essa foi a questão colocada pelos pesquisadores. O primeiro experimento foi realizado em um espelho de nanogramas, muito pequeno e invisível a olho nu, mas que vibra quando um raio laser é incidido sobre ele. “A ideia é que o espelho esteja ligado em um suporte, portanto ele também troca calor com o mundo externo enquanto o laser troca calor com ele”. Se o sistema fosse reversível, o espelho iria reabsorver o calor do mundo externo e trocar com o laser novamente, mas isso não aconteceu.
O segundo experimento foi realizado com o Condensado de Bose-Einstein, também chamado de quarto estado da matéria. Ele é um gás quântico produzido em uma temperatura extremamente fria, muito próxima do zero absoluto (-273,15 °C). Basicamente, uma série de lasers são utilizados para aprisionar cerca de 100 mil átomos em um espaço flutuante em uma região pequena do espaço, também invisível a olho nu.
Estes átomos interagem entre si e passam a se comportar coletivamente, como se fossem um corpo individual. É através deste comportamento coletivo que o condensado de Bose-Einstein dissipa energia. Assim como no experimento anterior, um laser foi utilizado para trocar calor com o condensado e através do comportamento dos átomos este calor era transmitido ao ambiente externo. O processo também se mostrou irreversível.
No geral, quanto maior um sistema mais improvável é a reversibilidade. “Com apenas dois átomos, a reversibilidade se apresenta. Mas se você aumentar aos poucos o tamanho dos experimentos percebe que muito rapidamente o processo se torna irreversível”.
No entanto, o diferencial desta pesquisa é que os sistemas estudados tinham propriedades quânticas. Afinal, as características não são garantidas sempre, os experimentos devem ser isolados, em uma temperatura fria o bastante, sem interferência de ruídos ou qualquer influência externa. Por isso, foi possível analisar qual era a contribuição quântica desta irreversibilidade.
Isto é, o fenômeno é uma característica clássica e quântica, quando ela é medida em um sistema com características quânticas percebe-se uma certa mudança, como se fosse um número a mais na soma final. Ainda não se sabe exatamente o que a contribuição quântica faz, mas foi comprovado que ela existe e, agora, é possível estudá-la separadamente.
O próximo objetivo agora é ter controle dinâmico sobre a troca de calor. Ou seja, nos experimentos realizados não era possível observar a evolução temporal da troca de calor. Por exemplo, as mudanças na vibração do espelho ao longo do tempo. Eles esperavam o sistema estabilizar para depois analisá-lo. Outro objetivo é analisar a possibilidade de utilizar o condensado de Bose-Einstein para construir um refrigerador quântico, que seria mais eficaz que os clássicos. “Ainda é uma pergunta em aberto, mas já existem evidências de que efeitos quânticos podem oferecer vantagens frente ao clássico.”
Outras aplicações práticas
Entender o conceito de irreversibilidade pode diminuir as perdas de energia envolvidas na computação quântica. Ela é importante justamente porque permite novas operações e velocidades de processamento, antes impossíveis.
A computação clássica é baseada em bits de 0 e de 1. No final, tudo que acontece em um computador é resultado de uma série de equações matemáticas com bits que podem ser 0 ou 1. No mundo quântico, entretanto, um bit não precisa estar em 0 ou 1, mas pode estar simultaneamente em 0 e em 1. Ou seja, o computador não precisa escolher entre uma ou outra operação, ele pode desenvolver as duas ao mesmo tempo. Esse comportamento pode revolucionar o mundo da computação e criar tecnologias imensamente mais potentes.
Hoje, este potencial atrai investimentos de grandes empresas como Google, IBM e Microsoft, como se elas estivessem em uma corrida e a vencedora é aquela que lançar o primeiro computador quântico. “Quem começou estudando esta área era chamado de louco, mas hoje as pessoas estão de fato levando a sério. Todos os pedacinhos de conhecimento que pudermos agregar são de extrema importância”.
Gostei muito do artigo sobre a física quântica. Faz pouco tempo que venho pesquisando esse assunto, e cada dia mais gosto. Estudei o livro Alice no pais do quantum de Robert Gilmore. Ali verifiquei o quanto é lindo o mundo atômico. O livro é muito técnico, então na minha busca, assisti palestras do Osny Ramos, e do Laércio Fonseca que embora sejam físicos, tratam do assunto sob o ponto de vista relacionado a aspectos humanos.