Deficientes físicos que trabalham têm vida mais feliz

Pesquisa da USP aponta a ausência de políticas públicas para esse segmento

Ao envelhecer, idosos com deficiência física enfrentam uma dupla carga de mobilidade reduzida. Foto: Pixabay

Ter trabalhado durante a vida é extremamente positivo na experiência de vida de quem tem deficiência física. Esse é um dos resultados da tese de doutorado A experiência do envelhecer com deficiência física: uma abordagem fenomenológica realizada por José Alves Martins na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. O estudo também concluiu a ausência de políticas públicas para deficientes físicos idosos.

A pesquisa foi qualitativa com abordagem fenomenológica. A fenomenologia busca compreender a essência do ser. No caso deste estudo, compreender a experiência de ser uma pessoa idosa com deficiência. “É uma entrevista fenomenológica, que faz parte da metodologia e pode durar até três horas. É um discurso colhido no cotidiano da vida. A pessoa projeta valores, representações, costumes, significados e sentidos. A partir das suas vivências, ela projetou tudo isso e no discurso dela é possível identificar esses significados”.

Os 15 participantes foram selecionados na rede de cadastros da Associação dos Deficientes de Mato Grosso. Como critério, eles deviam ter 60 anos de idade ou mais e a deficiência física não podia ter sido adquirida após os 40 anos, com o intuito de incluir apenas pessoas com longo tempo de experiência na deficiência física, antes da velhice.

Percebeu-se que quem acessou o mercado de trabalho teve uma vida mais inclusiva, chegando à velhice com uma identidade social e coletiva melhor desenvolvida. “Tinha autoestima melhor, um sentimento de que ela não era uma incapacitada, porque trabalhava, produzia, contribuia com a sociedade. Ao se comparar com uma pessoa não deficiente, ela não sentia tanto o impacto do estigma quanto àqueles que não conseguiram acessar o mercado de trabalho”. Além da inclusão social, o trabalho também gera renda, o que contribuiu para melhores condições socioeconômicas. Por essa razão, é fundamental o desenvolvimento de políticas de inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, inclusive as idosas.

O pesquisador explica que não existem políticas públicas para esse segmento da população. “Encontramos pessoas vivendo à margem da sociedade, em isolamento social, fora de todo o alcance dos dispositivos públicos. Não têm instituições para eles, nem políticas sociais e de saúde para esse segmento”. Segundo Martins, os informantes apresentavam identidade quanto pessoa muito deteriorada, por conta de todo o estigma enfrentado durante a vida. “Ela não se encaixa no padrão corporal socialmente aceitável. Então, ela carrega isso na identidade”.

Outra percepção é de que, ao envelhecer, a pessoa que vive com deficiência tem uma dupla carga de mobilidade reduzida. Isso porque ela sempre conviveu com uma parte do corpo lesionada, mas agora, a parte não lesionada envelheceu. “Ela conseguia empurrar a cadeira de rodas porque tinha braços fortes. No envelhecimento, não tem mais. Então, sofre-se essa dupla carga de mobilidade reduzida. Isso dificulta ainda mais o acesso aos dispositivos sociais”.

A não adaptação dos espaços públicos também colabora para a redução da mobilidade. As praças, os parques e as ruas necessitam sofrer modificações, para facilitar o avanço do declínio físico.

O modelo de reabilitação utilizado foca na recuperação física do paciente. Quando percebe-se que o caso não tem mais reversão com fisioterapia, ele é desligado do serviço de saúde. “Isso é uma violência institucional muito grande. Quando você desliga essas pessoas do serviço, elas ficam lidando com todas adversidades sem o amparo do Estado”. O pesquisador ressalta que existem garantias legais, como a Lei Brasileira de Inclusão, de que os deficientes físicos acessem todos os níveis de atenção na saúde.

“Uma pessoa como eu não espera mais nada da vida”

Uma das perguntas da pesquisa fenomenológica era “O que você espera para o futuro?” Os informantes demonstraram ausência de perspectiva na velhice e uma percepção da finitude como inevitável. Segundo Martins, as respostas eram “nulas”, com alguns relatando estarem esperando apenas o fim da vida. “Não tem mais esperança, não aposta em mais nada, não conta mais com os serviços, com a sociedade e com os dispositivos públicos para melhorar a vida deles”.

Foto: ANPR
“Elas não podem ser esquecidas dos serviços e das redes porque envelheceram”, afirma José Martins. Foto: Fotos Públicas

Rede informal de apoio

Existe uma rede informal de apoio social, que é o apoio da família e dos amigos, que é forte e duradoura. “Essa rede que se formou em torno dessa pessoa é muito mais forte e muito mais benéfica do que a rede formal instituída pelo setor público. Nós com os nossos centros de reabilitações, com fisioterapeutas, assistentes sociais, psicólogos, não fazemos a metade do que uma rede informal faz”. Martins explica que a vizinha que faz compras no mercado, por exemplo, faz parte dessa rede de apoio informal.

“Essa rede informal está longe dos olhos da rede de serviços de saúde. É preciso criar redes de serviços que se comunique e dialogue com a rede informal nas comunidades para fazer a inclusão dessas pessoas, ainda que envelhecidas”.

Segundo o pesquisador, a sociedade brasileira tem uma dívida histórica com esse segmento da população. Por isso, é importante pesquisar a respeito: “É preciso reparar as injustiças que essas pessoas vivem. E o melhor caminho é o da pesquisa, para desvelar essa realidade e a partir da compreensão dela, poder propor políticas públicas mais socialmente aceitáveis e que consigam incluir essas pessoas”.

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