Uma escola pública que se intitula pesquisadora colabora com o aumento de um dos principais medidores educacionais do Brasil, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). O índice tem objetivo de medir a qualidade do aprendizado e propor metas que visem a melhoria da educação no país. Na escola pesquisadora Giuseppe Tavolaro — escola municipal de ensino fundamental (EMEF), os índices dos medidores não somente bateram a meta imposta pelo governo, como a ultrapassaram, comprovando melhoria na aprendizagem.
Além da melhora no IDEB, muitos alunos que participaram do processo de pesquisa instituído na escola foram aprovados no vestibular de uma Escola Técnica Estadual (ETEC), uma das escolas mais valorizadas da região.
Diante desse contexto, Amália Galvão Idelbrando, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), decidiu analisar essa escola na sua pesquisa de doutorado. A tese intitulada Escola pesquisadora? (Representações de professores e gestores de uma escola que se diz pesquisadora: a relação entre suas práticas e a construção de conhecimento dos alunos), defendida em 2017, tem o objetivo de entender como os docentes e gestores pensam a relação entre as suas práticas educativas e a construção do conhecimento que utilizam em sala de aula junto aos educandos.
Localizada no bairro Fazenda da Juta, zona leste de São Paulo, a escola possui equipe gestora e professores que se entendem como pesquisadores e colocam a escola como pesquisadora. Além de se posicionarem como produtores de conhecimento e significado junto aos alunos. Percebe-se que eles zelam para manter esse “título”, inclusive, entre as escolas da região de São Mateus.
Através da análise das representações dos sujeitos presentes na escola, a pesquisadora notou que os educadores em conjunto com a comunidade, desenvolveram esse projeto de pesquisa aplicado à escola, possibilitando caminho de mudança dos olhares dentro do ambiente escolar a partir da participação da comunidade ao entorno.
Outro fator a ser levado em consideração com a melhora do desempenho e aprendizado é que, devido a produtividade dos trabalhos de pesquisa desenvolvidos e das condições positivas dentro do contexto escolar, houve pouca mudança de professores para outras escolas, o que gera a possibilidade de haver extensão e melhoria dos projetos aplicados à sala de aula.
Inserção da pesquisa
Em conversa com Paulo Silvio Ferreira, diretor da escola, a pesquisadora descobriu a história da região onde a escola está inserida. Anteriormente, o bairro era uma fazenda de café que estava abandonada e, quando a população percebeu o desuso daquelas terras, optou por ocupar o local. No processo de ocupação ocorreram diversos conflitos com o Estado, mas a população se organizou e conseguiu conquistar aquele espaço, definindo até mesmo qual parte do terreno seria cedido para a construção da escola que é objeto da pesquisa.
A partir disso, o diretor trouxe reflexões ao corpo escolar sobre a importância do contexto de luta social ligado às histórias pessoais dos alunos bem como sobre a relevância dos outros conhecimentos dos jovens para a aprendizagem no ambiente escolar.
Realizada a parceria entre diretor e coordenador, foi sugerido aos docentes que implementassem um trabalho de pesquisa aos alunos. Em 2010, apesar das diversas opiniões contrárias dos docentes, ocorreu a inserção do projeto de Trabalho de Conclusão de Ciclo (TCC) aos alunos do “antigo 8º ano”, antigo pois os novos ciclos do ensino fundamental foram regulamentados pela Lei nº11.274 de 2006 que regulamenta a duração de 9 anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 anos de idade.
Ao final do mesmo ano, os estudantes, individualmente ou em grupo, apresentaram os seus projetos diante de uma banca formada pelos docentes da escola. Estes ficaram surpreendidos positivamente com os trabalhos apresentados.
Novamente, o diretor conversou com os professores e sugeriu que estes começassem a escrever pois os alunos já estavam fazendo isso através dos TCC’s. Muitos recusaram a sugestão, no entanto, alguns fizeram a atividade sugerida pelo diretor. Entre os temas dos textos estavam receitas culinárias, histórias da vida pessoal e familiar, mas alguns escreveram sobre a questão da prática de ensino.
Através desses textos que abordavam a prática, o diretor organizou 18 artigos com comentários sobre essas temáticas e convidou Pedro Demo, escritor que aborda a pesquisa como princípio educativo, para ajudá-lo na organização do material. Em 2013, publicaram o livro Escola Pesquisadora: uma possibilidade de formação (Editora CRV), onde trabalham com conceito da pesquisa voltados às etapas de ensino e aprendizagem escolar.
Pesquisa na escola pública
A pesquisadora acredita que, mesmo que não ocorra rapidamente, é possível que haja escolas-pesquisadoras no Brasil, no entanto, será uma grande evolução se a educação começar a ser “entendida como um processo de pesquisa”. Porque a educação ainda é pautada na ideia de que o professor é o detentor do saber, que o aluno chega à escola sem nenhuma experiência e não tem nada a acrescentar no processo de aprendizado.
É importante não impedir a curiosidade que as crianças e adolescentes trazem ao ambiente escolar. “A gente não tem que tirar a curiosidade deles (crianças e adolescentes), pelo contrário, temos que incentivar eles a serem pesquisadores. Temos que incentivar essa curiosidade”, explica Galvão. A doutora acredita que quando há possibilidade de trocar conhecimento entre professores e alunos, há ampliação do aprendizado para além da sala de aula pois “quando você produz conhecimento com o seu aluno, esse conhecimento vai alcançar a casa dele”.
Colaboração Autoral
Em 2014, foi instituído o Programa de Reorganização Curricular e Administrativa denominado Mais Educação São Paulo, regulamentado por Fernando Haddad, ex-prefeito da cidade de São Paulo, através do Decreto nº 54.452. Entre as determinações do programa está o Trabalho Colaborativo Autoral (TCA) voltado para alunos do 7º aos 9º anos do Ensino Fundamental da rede pública de ensino, com o objetivo de fornecer “ênfase ao desenvolvimento da construção do conhecimento, considerando o domínio das diferentes linguagens, a busca da resolução de problemas, a análise crítica e a estimulação dos educandos à autoria”.
A partir dessa exigência, a EMEF pesquisada tornou-se referência e outras escolas realizaram reuniões com os docentes para saber como colocar em prática esse trabalho de pesquisa exigido pela Secretaria Municipal de Educação (SME). Com o aumento da visibilidade, todos os docentes e a equipe pedagógica do colégio ficaram extremamente felizes pelo reconhecimento e passaram a se intitularem como precursores da uma política municipal de educação. No entanto, Galvão destaca que a escola é pesquisadora e trabalha no viés da pesquisa, mas não é possível afirmar que ela é precursora de uma política educacional porque seria necessária uma investigação junto à SME. Porém, ela pontua que a escola é precursora de um trabalho de colaboração autoral que na época foi nomeada como conclusão de ciclo.
A pesquisadora também pondera que a atividade implantada pela Prefeitura foi extremamente positiva por permitir que os alunos pudessem trazer dúvidas e pesquisar sobre diversos temas de seus interesses em sala de aula. Segundo ela, o olhar da escola pesquisada foi primordial para que a implantação desse trabalho ocorresse positivamente pois os docentes mostraram aos alunos que “a pesquisa é algo com princípio educativo” e não apenas a entrega de trabalho para obtenção de nota.
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