Software inovador auxilia no tratamento do pé diabético

Pesquisa aborda desenvolvimento e validação de tecnologia que personaliza exercícios para pessoas com polineuropatia

Pesquisadora mostra interatividade dos exercícios no Soped/ Foto: Kaique Canalle

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o diabetes mellitus afeta mais de 425 milhões de pessoas no mundo, sendo 16 milhões só no Brasil. Essa doença crônica pode trazer diversas dificuldades, entre as quais estão as complicações relacionadas ao pé diabético, a chamada polineuropatia. Embora exercícios voltados para a população com diabetes sejam comuns, movimentos específicos para o pé de quem sofre dessa doença são raros.

Foi isso que motivou a pesquisadora Jane Suelen Silva Pires Ferreira, do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da USP, a abordar em sua dissertação de mestrado um software voltado para a população com diabetes, denominado Sistema de Orientação ao Pé Diabético (Soped).

Intitulada “Tecnologia de reabilitação no cuidado do diabetes mellitus: desenvolvimento e validação de um software que personaliza a evolução de exercícios para pés e tornozelos”, a dissertação, feita sob orientação da professora e fisioterapeuta Cristina Sartor, aborda o processo de criação e aprimoramento do Soped.

A ideia de criar o software surgiu a partir do estudo sobre os efeitos de exercícios para o pé diabético realizado no doutorado da orientadora. “Vimos a necessidade de uma ferramenta mais acessível”, explica Jane.

Segundo a pesquisadora, é necessário ter muito cuidado quando se disponibiliza algum exercício físico para o paciente realizar sozinho. Nesse sentido, para utilizar o Soped, os pacientes primeiro respondem a um questionário que visa determinar se a pessoa está apta ou não para realizar os exercícios. Essa auto avaliação se baseia no grau de dificuldade e complicações que o paciente com pé diabético tem, podendo ir desde calos e rachaduras até deformidades e lesões teciduais.

Tais complicações muitas vezes estão relacionadas à perda de sensibilidade nos pés dos pacientes, como explica Cristina: “Quando, por exemplo, entra alguma pedra no sapato, eles não sentem dor e não percebem que existe algo estranho, e continuam andando. Isso pode causar uma ferida no pé, que, futuramente, complica e pode haver a necessidade de amputações”.

Para melhorar isso, a criação de uma ferramenta mais acessível para a prática de exercícios se mostrou essencial. No Soped, tais exercícios são abordados sob a perspectiva da “gamificação”, que consiste em inserir “elementos de jogo em contextos de não jogo”. Isso se dá no sentido de tornar a atividade mais interativa e gratificante, pois a cada exercício concluído o usuário é premiado e sobe de nível. “Se o paciente está sempre no mesmo nível ou se não conseguiu fazer um determinado exercício, ele não vai ficar motivado para continuar”, afirma Jane.

No software, cada exercício possui uma média de oito níveis progressivos, com diferente número de séries e repetições, posições do corpo e material utilizado. Tais exercícios contribuem para o ganho de amplitude do movimento, força da musculatura afetada e melhora da funcionalidade do pé diabético.

Cristina Sartor afirma que “alguns pacientes podem ter pés muito comprometidos, então nem sempre vão conseguir chegar até o final, mas não é esse o objetivo. A intenção é que cada um a seu modo melhore dentro das suas possibilidades”. Desse modo, a recompensa não foca apenas na meta alcançada, mas também na constância da prática de exercícios.

Para validar o software, foi utilizado o método Delphi. Essa técnica consiste basicamente em obter sugestões e aprovação de especialistas e, no caso do Soped, profissionais especializados no atendimento de pessoas com diabetes. “Os especialistas eram de várias áreas. Haviam enfermeiros, psicólogos, educadores físicos, fisioterapeutas e médicos” explica Jane.

Além dos especialistas, a ferramenta passou por validação de 20 pessoas que sofrem com a polineuropatia. Na primeira etapa, foram avaliadas a adequação do conteúdo e a clareza das informações da versão protótipo do software, obtendo 89,7% de aprovação dos especialistas e 90,3% dos usuários. Já na segunda etapa, após passar por alguns ajustes, o Soped obteve 97% de aprovação do júri de pessoas com diabetes e 100% de aprovação do júri composto por profissionais da saúde.

Embora tenha sido validado, o Soped ainda não foi testado em larga escala. A implementação do software ocorrerá caso atenda aos critérios de segurança, efetividade e custo-utilidade. Investigações futuras serão realizadas e a pesquisadora pretende testar a ferramenta para que seja implementada no Sistema Único de Saúde (SUS) por meio de uma Avaliação de Tecnologia em Saúde. “Até porque, se formos observar, no sistema de saúde não tem nada específico voltado para essa população”, afirma Jane.

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