O coral-sol possui vários dos requisitos atribuídos a espécies invasoras de sucesso: ele se reproduz de maneira rápida, cresce também rapidamente, não possui predadores naturais em águas brasileiras e não depende da luz solar. E agora, a partir de estudos recentes, descobriu-se que mudanças de temperatura não trazem prejuízos significativos ao seu ciclo de vida como para outras espécies de corais.
Trata-se de uma espécie que chegou à costa brasileira em tempos recentes, há cerca de três décadas, e foi vista pela primeira vez em plataformas de petróleo na baía de Ilha Grande (RJ). Desde então, proliferou-se aceleradamente e expandiu sua população pelos mares que banham de Santa Catarina à Bahia. Sua cor varia do amarelo ao alaranjado e encanta observadores com facilidade, mas assusta de forma igualmente fácil quem entende do assunto, por se tratar de uma grande ameaça à biodiversidade nos locais onde se instala.
Andreia Cristina Câmara Barbosa destinou atenção especial ao tema em sua tese de doutorado, na qual avalia a resposta do coral-sol ao aumento de temperatura dos oceanos em um cenário de aquecimento global. Ela analisou como o coral-sol e o coral-cérebro, espécie competidora e nativa da costa brasileira, reagem ao aumento de temperatura. “Diante das temperaturas testadas, o coral-sol teve uma mortalidade bastante baixa em comparação ao cérebro”, comenta a bióloga quanto aos resultados obtidos.
Vence quem for mais forte
O coral-cérebro é uma das espécies mais prejudicadas, uma vez que seu tecido é necrosado ao entrar em contato com o invasor. Ainda não há confirmação de como esse processo acontece exatamente. Supõe-se que seja através da alelopatia, um fenômeno que acontece quando agentes químicos são liberados por um organismo sobre o outro.
Durante a pesquisa, Andreia fez testes em laboratório com o uso dos corais sol e cérebro. “Simulamos verão e inverno no futuro, verão e inverno no presente, e avaliamos nesses cenários a reação dos corais. Em temperaturas mais altas a necrose do coral-cérebro era maior e ocasionava até a morte”, explica. A bióloga utilizou instalações, embarcações e recursos técnicos oferecidos pelo Centro de Biologia Marinha (CEBIMar) da USP, localizado em São Sebastião (SP), pois só a proximidade com o mar e a possibilidade de uso da água marinha corrente permitiria o sucesso das análises.
Além dos experimentos com temperatura controlada, foram feitas observações em campo com o manejo de corais em diferentes estações do ano. Porém, o prejuízo ao coral-cérebro se mostrou bem mais sutil do que nos testes em laboratório.
Primeira vítima: o coral-cérebro
De coloração verde e formato arredondado, ele é menos atrativo aos olhares humanos, apesar de sua grande importância para a vida marinha. O coral-cérebro vive em simbiose com seres fotossintetizantes chamados zooxantelas e depende delas para sobreviver. Também depende, portanto, da luz solar.
Além de vítima da necrose, o cérebro é um dos muitos corais vulneráveis ao fenômeno de branqueamento. Em situações extremas, como o aumento ou diminuição drástica da temperatura, os corais expulsam as algas simbiontes e deixam de fornecer o alimento que eles necessitam. Trata-se de um fenômeno natural que pode ser reversível, a depender do tempo em que o coral permanece sem as algas simbiontes. Mas a tendência à morte se agrava quanto maior for o tempo em que as temperaturas permanecem elevadas. Com o aquecimento global crescente, as médias termais oceânicas sobem e com elas aumentam os eventos de branqueamento, que tendem a levar cada vez mais colônias à morte.
A presença da espécie invasora no ambiente se transforma em um prejuízo em escalada, já que a morte do coral-cérebro pode estar atrelada ao desaparecimento de várias outras espécies relacionadas ao seu nicho ecológico. Algas, outros corais e animais como pequenos peixes tendem a desaparecer com o avanço do coral-sol.
Mapa dos avanços do coral invasor
Agora, a nova fase do projeto de pesquisa envolve um levantamento de presença, ausência e quantidade de coral-sol em várias ilhas da região, desde o Rio de Janeiro até o sul do estado de São Paulo. É uma etapa importante e essencial no acompanhamento dos avanços da espécie. “Trata-se de um mapeamento que inclui abundância, densidade e profundidade. Também analisamos onde ele ainda não chegou e onde pode chegar. É preciso fazer o acompanhamento desses locais para, caso o coral apareça, que seja retirado antes de virar uma praga”, explica Andreia.
Ela ressalta que a retirada de corais do ambiente precisa ser feita com muita cautela, pois o potencial de regeneração do invasor é grande: “Uma lasquinha de coral-sol vai regenerar e ele vai crescer de novo. Por isso, o manejo deve ser feito com todo o cuidado, sem deixar resquício algum”.
Pensar na preservação dos recifes de corais é pensar na preservação de todo o ecossistema que se desenvolve a partir deles. Eles são abrigo para inúmeras espécies de peixes, crustáceos, moluscos e algas, e até mesmo outros peixes de grande importância na economia pesqueira, por exemplo, podem depender em algum momento dos recifes e podem também ser prejudicados.
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