Com o objetivo de elaborar novos protótipos que podem virar fármacos anti-câncer, um estudo chegou a duas classes de substâncias que se mostraram promissoras nesta área. A pesquisa, conduzida pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP, fez diversas análises a partir da biodiversidade marinha brasileira, aplicando extratos em culturas de células tumorais. As moléculas prodigiosina e cromomicinas, apesar de já terem sido descobertas há algum tempo, demonstraram relativa importância nesse ramo de pesquisa.
As cromomicinas, moléculas intercalantes de DNA, já são conhecidas há muito tempo. É o que afirma a professora Letícia Lotufo, responsável pela pesquisa e chefe do laboratório: “O que estamos descrevendo para elas é a capacidade de reconhecer um alvo específico nas células de melanoma. Essa caracterização pode pular etapas no desenvolvimento [de fármacos], porque teríamos uma atividade um pouco mais seletiva”. O outro grupo de substâncias são as prodigiosinas, resistentes a terapia utilizada para o melanoma.
De acordo com a professora, a pesquisa está no começo, mas já houve indícios que apontavam que ela seria importante. “Agora, estamos na etapa inicial. Tivemos o primeiro indicativo de que elas são capazes de modular classes de proteínas que são importantes, e agora estamos atrelando a atividade delas à modulação dessas proteínas e a relevância disso no modelo do câncer” – afirma Lotufo.
Ao analisar uma escala linear do desenvolvimento de novas drogas e fármacos, a professora aponta que as pesquisas de seu laboratório estão apenas na fase inicial desse caminho: “Quando se pensa no desenvolvimento de um medicamento, estamos na etapa de descoberta. Esse é o comecinho do processo. Desse comecinho, eu diria que as substâncias que já temos são bem interessantes, atuando em modelos de melanoma resistentes, isoladas dessas bactérias marinhas que estamos caracterizando as atividades nos modelos de tumor”.
O laboratório utiliza diversas abordagens distintas para estudar esses potenciais produtos. No esquema de estudo mais tradicional, o grupo realiza coletas pela costa brasileira e nos arquipélagos nacionais. “Coletamos principalmente amostra de sedimentos, ou seja, areia do fundo do mar. E dessa areia a gente isola bactérias marinhas” – comenta a professora – “Isolamos aquelas que são cultiváveis (de 1% a 2% do total), e então, cultivamos elas. Desse caldo de cultura extraímos com um solvente químico, e formamos um extrato, que é uma mistura de compostos que aquela bactéria produz”.
Após todo o processo, esse extrato é testado nas células tumorais que estão em cultura. Os trabalhos são feitos, principalmente, com tumores em melanoma e tumores da mama que também são cultivados. E então, com essa aplicação, fica indicado se o extrato de certa célula tem alguma eficácia na atuação contra a célula tumoral.
Uma outra forma de chegar até tais substâncias é utilizando o que não pôde ser cultivado. Nessa situação, o metagenoma [a coleção de DNA contida em certo segmento] é isolado e sequenciado, posteriormente. E então, mesmo sem ter as bactérias para serem cultivadas, há uma noção da diversidade de bactérias que tem ali, através de seu DNA. Caso seja encontrado algo muito interessante, essa diversidade gênica também pode ser acessada.
Há também a pesquisa metabolômica, estudando os metabólitos, que são produtos de reações do metabolismo. Contudo, de acordo com a professora, o carro-chefe do laboratório está na pesquisa alvo-direcionada. Primeiramente, com base em outros estudos, proteínas muito expressas no melanoma são determinadas. “E então, produzimos essa proteína e fazemos uma pescaria de moléculas. Em seguida, prendemos essas proteínas numa resina. E com aqueles mesmos extratos das coletas marinhas, filtramos e vemos se ele tem substâncias que se ligam nessa proteína que queremos modular” — amplia a pesquisadora. Após esse processo, essas substâncias que se ligaram à proteína são caracterizadas quimicamente, para que assim seja possível identificar se a modulação dessa proteína indica um alvo terapêutico do câncer.
A professora Lotufo comenta também sobre uma parceria dentro do próprio instituto, que acabou resultando em alguns modelos para aplicação tópica, realizados há muitos anos: “Nós fazemos nanoformulações que permitem modelos tanto pra mama, com a injeção no ducto mamário, quanto para pele”, porém, ela alerta sobre sempre existir uma consideração e cuidado com a toxicidade desses produtos. A ideia é que, futuramente, também seja possível aplicar as formulações nos produtos de origem marinha.
Agora, a pesquisa visa aprofundar mais naquilo em que obtiveram mais avanços, até porque as substâncias estudadas já são conhecidas. Sendo assim, a intenção dos pesquisadores é trabalhar mais nessas moléculas, para pensar especificamente no desenvolvimento de fármacos e, eventualmente, trabalhar com o Instituto de Química para modificar formulações.
Para a professora, formular ou modificar as estruturas pode ser estratégico. “A gente usa o produto natural para entender o que está acontecendo, para de repente propor uma inovação tecnológica a partir dela” – afirma ela.
E, por enquanto, essa linha de pesquisa ainda tem muito pela frente. Com um acúmulo de milhares de bactérias coletadas, as perspectivas otimistas são de que a pesquisa não vai parar tão cedo. E sobre isso, conclui a professora: “Nunca acabam os projetos porque a gente tem uma coleção de cerca de 1500 bactérias marinhas, que a gente coletou no arquipélago de São Pedro e São Paulo, Fernando de Noronha, Trindade & Martim Vaz, Antártida, Mar Profundo, toda a costa brasileira. Então a gente tem um tesouro para estudar a vida toda”.
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