Uma pesquisa realizada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP analisou os tipos de meio de transporte que os espaços públicos têm incentivado em São Paulo e como fazem isso. O mestrado de Letícia Lindenberg Lemos mostrou que as normas e instrumentos legais de construção de qualquer empreendimento na cidade de São Paulo ainda priorizam o uso do automóvel, mesmo quando de fácil acesso pelo transporte público.
A pesquisadora analisou 700 empreendimentos considerados pólos geradores de tráfego, que são lugares que estimulam a locomoção interna da cidade, como escolas, prédios comerciais e shopping centers. Observando a localização, o número de vagas oferecido e as regras da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) para a questão, Letícia afirma que a empresa ainda atua sob uma lógica da hegemonia do carro, embora haja um movimento de alguns próprios empreendimentos privados de alterar esse pensamento.
O maior exemplo citado pelo estudo são os shoppings. Eles são, pelas normas da CET, obrigados a oferecer um número mínimo de vagas de estacionamento, mesmo quando perto de pontos de ônibus e/ou estações de metrô. Alguns dos casos mais notáveis são o Shopping Cidade São Paulo e o Shopping Pátio Higienópolis.
O Cidade São Paulo é localizado na Avenida Paulista, onde passam diversas linhas de ônibus e ao lado de duas estações de metrô. O empreendimento é composto pelo shopping e por um prédio comercial ao lado, o que aumenta o número de vagas disponível para o prédio. Entretanto há um alto número de vagas para automóvel no local, incentivando as pessoas a irem de carro quando pode ser facilmente acessado por meios ativos, como bicicleta ou a pé, o que poderia liberar a pressão do tráfego automobilístico no local.
O Pátio Higienópolis possui condições de localização parecidas com o shopping da Av. Paulista. Localizado na região da Av. Faria Lima, é considerado de fácil acesso para os meios ativos. O shopping possui uma alta quantidade de vagas de estacionamento. Letícia conta que houve um caso em que a administração do shopping quis usar parte desse espaço para ampliar seu complexo de lojas, mas o Estado não permitiu que tal obra fosse feita sob a alegação de que fere o direito das pessoas irem de carro ao local. “Se as pessoas desistem de ir ao shopping por causa do carro, quem perde é o shopping, não a cidade. E se o shopping aceita perder esse cliente, é porque ele está confortável com isso”.
A pesquisadora afirma que o poder público é quem deveria guiar as construções geradoras de tráfego para incentivar os usos de meios públicos e alternativos de transporte. Mas a presença da cultura do automóvel continua regrando as políticas públicas de mobilidade.
Essa preferência para o uso do carro é reflexo da cultura do automóvel, instituída na sociedade brasileira desde 1950, por meio do acúmulo de políticas de incentivo do uso do veículo particular, como a construção de rodovias, viadutos, pontes, avenidas e estacionamentos. Dessa forma, se torna natural o uso do carro para tudo.
A mudança desse pensamento, segundo Letícia Lindenberg, é um debate longo, que ocorre já há um tempo e que gera uma tensão social, uma vez que interfere no hábito das pessoas. A pesquisadora explica que o Plano Diretor da cidade de São Paulo de 2014 foi o primeiro que incluía um sistema de mobilidade a pé, mostrando que “as leis vão absorvendo aos poucos o debate, o que muda gradativamente a regulamentação e criando ferramentas que deixam a cidade mais humanizada”.
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