Conscientização reduz índices de suicídio

Falar sobre suicídio ajuda na sua prevenção (Ilustração: Daniel Araújo/SAÚDE é Vital).

Uma pesquisa de doutorado — apresentada ao Instituto de Psicologia (IP) da USP em 2018 — buscou analisar como a comunicação sobre o suicídio e a consciência pública podem colaborar com a sua prevenção e posvenção. Karen Scavacini, autora da tese O suicídio é um problema de todos: a consciência, a competência e o diálogo na prevenção e posvenção do suicídio, explica que a necessidade do estudo foi notada após observar pacientes e grupos de sobreviventes. “Percebi que uma das questões mais difíceis para as pessoas era poder falar sobre o assunto, seja comigo, em casa ou na rua. Queria saber como aumentar a consciência do comportamento suicida e do luto por suicídio”.

Dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2015 indicam que 800 mil pessoas tiram suas próprias vidas anualmente, ou seja, uma a cada 40 segundos. Há maior incidência dos casos, cerca de 78%, em países de renda média e baixa. Porém, mesmo com índices elevados, algo ainda é mais preocupante e vale a pena ser ressaltado: a falta de compromisso das nações com a veracidade das informações divulgadas. O que demonstra pouca relevância do assunto nos planos de governos para enfrentar o fenômeno patológico. Segundo a OMS, apenas 28 países possuem políticas de enfrentamento à morte voluntária.

Na busca por mudar o cenário de descaso, o Brasil lançou uma importante iniciativa. Desde o início de julho de 2018, pessoas de todo o País podem efetuar ligações para o número 188, quando cogitarem por algum momento cometer suicídio. O serviço realizado pelo Centro de Valorização da Vida (CVV) em parceria com Ministério da Saúde é totalmente gratuito, e conta com a participação de voluntários responsáveis por dar apoio emocional a todos que precisam conversar. Os membros não necessitam do diploma em psicologia para auxiliar no atendimento, entretanto, recebem treinamento adequado. A medida faz parte da meta do Governo Federal de reduzir 10% o índice de suicídio até 2020. “É fundamental compreendê-lo como uma questão grave de saúde pública, assim, pode-se aumentar a conscientização e a oferta de locais para tratamento”, comenta Karen.

Ela cita o tabu sobre o tema, e explica a relutância das pessoas em debater mais profundamente as circunstâncias envolvidas. “A sociedade vê o suicídio como algo longe dela, ou que pertence aos loucos, covardes, fracos ou que não tem Deus no coração. Elas não entendem que ele se origina na dor e no desespero e pode acontecer com qualquer um”. A crença popular também atrapalha, está intrínseco no imaginário cultural que quando se conversa sobre algo ruim, aquilo pode ser atraído para a vida. “Era assim com o câncer antigamente. É como se ao não falar, ele pudesse não existir. Precisamos falar, porque somente ao tratar o assunto com seriedade e abertura é que podemos lidar com ele” diz.

Pode-se notar a resistência dos veículos de comunicação ao divulgar casos de suicídio. Existe receio de acontecer o famoso efeito Werther — personagem de um romance de Goethe —, que relaciona o possível aumento de casos de suicídio, após reportagens sensacionalistas ou muito detalhadas, serem exibidas. Isso cria uma barreira quase intransponível, e faz a população não tocar na questão por medo — falar pode induzir. A pesquisadora contrapõe esses argumentos com pontos levantados no estudo. “O Efeito Papageno diz que reportagens responsáveis podem diminuir o comportamento suicida no público, fornecendo exemplos de outras pessoas que passaram com sucesso por crises suicidas”.

Utilizou-se na tese o método da Teoria Fundamentada, ou seja, a teoria foi derivada dos dados. Scavacini comenta o motivo dessa escolha. “Aconteceu pelo desafio de usar um método relativamente novo no País e pela vontade de ver emergir dos dados a essência da análise”. Como se trata de um fenômeno complexo, não poderia ser reduzido em apenas um ponto de vista. “Moderamos um grupo focal, com sujeitos que perderam alguém para o suicídio, e os sobreviventes”, explica.

A partir dos dados analisados, possibilitou-se compreender a importância do aumento da consciência pública do suicídio como um dos estágios fundamentais para a construção de ações de prevenção e posvenção, onde foram ressaltados três grandes temas. Primeiro, a compreensão – expressa as condições que entendemos, lidamos e relacionamos. Segundo, conscientização – a interação necessária para mudar a situação, sendo uma ferramenta fundamental. Por último, ação – representa a consequência do processo, em suas formas, atitudes e caminhos necessários para que a conscientização influencie a forma de ver, sentir, lidar e cuidar do desespero humano: o suicídio. Scavacini finaliza propondo uma solução. “Com a certeza a conscientização é uma das possibilidades de alterar essa realidade de estigma e de tabu”.

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