Ao acordar, tome um suco de laranja acompanhado de uma fruta natural. De preferência, uma maçã. Se quiser complementar o seu café da manhã, opte por um iogurte ou leite desnatado. Nas demais refeições, siga a dieta à risca! Não se esqueça de comer de 3 em 3 horas. E lembre-se de reduzir a quantidade de açúcar, cortar o consumo de gorduras e reduzir drasticamente o carboidrato, senão…
Familiarizado com esse modelo? Pois é, muitas pessoas recorrem às famosas dietas. Independente da alimentação prescrita, a maioria segue o mesmo esquema. Elas também compartilham um objetivo comum: o resultado imediato. E sem esquecer do “engessamento”, das restrições e da má relação com os alimentos.
A adesão das dietas tradicionais é, entretanto, um fenômeno comum. E, em determinadas vezes, elas cumprem o seu objetivo. Só que, para o restante dos casos e para parte da população, tais métodos não surtem os efeitos esperados.
É com base nisto que o docente da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE), Antonio Herbert Lancha Junior, se embasou para pesquisa. O corolário foi o artigo “Melhorando hábitos nutricionais sem a prescrição de dieta: Detalhes de um processo de orientação nutricional”, o primeiro estudo detalhando estratégias para esse tipo de intervenção.
A “grande sacada”
Observando os participantes de um curso comunitário da Unidade, o docente tinha notado um contraste. Os mesmos se dividiam em dois grandes grupos: o de pessoas responsivas e o de não-responsivas.
Os primeiros se configuravam como mais cartesianos. Aquelas pessoas métricas, que faziam cumprir o que lhes era proposto. Os “não-responsivos”, por sua vez, não respondiam muito bem às intervenções de redução de peso propostas. E foi percebido que estes apresentavam uma relação com os alimentos muito mais afetiva.
Intrigado com a constatação, Lancha buscou investigar o fenômeno responsável por essa diferença no modo de resposta. “Descobrimos que faltava, para nós e não para eles, desvendar qual era o fator que motivava aquelas pessoas a emagrecer”, relata.
E assim se propôs a abordagem de um método alternativo, que promovesse mudanças de estilo de vida, comportamentais e de hábitos nutricionais. Sobretudo, desejava-se um modelo que atuasse nas “lacunas” das dietas. Que fosse aplicável em qualquer situação, para qualquer pessoa e possível de se sustentar para toda a vida.
A mudança que parte da pessoa
Lancha explica que todos temos um padrão de conduta: um mecanismo composto por gatilho, comportamento e recompensa. E a condição determinante, para a perda de peso, é descobrir o fator, dentro de cada pessoa, que constitui uma compensação muito maior do que qualquer prazer imediato.
Em outras palavras, a partir de um gatilho como “ansiedade”, é necessário estabelecer uma recompensa contundente. Algo que seja mais forte do que o prazer frugal e instantâneo da ingestão de um chocolate, por exemplo. E normalmente, segundo ele, essa alternativa é relacionada a questões bastante afetivas.
“Quando a pessoa quer emagrecer, ela tem que descobrir, dentro dela, o que de fato vai promover essa recompensa”, expõe Antonio. O papel do profissional de saúde, conforme defende, é o de atuar oferecendo suporte e assistindo o cliente. Contudo, é imprescindível deixá-lo no centro de seu próprio processo de mudança.
Ele enfatiza a importância dessa decisão conjunta, e não unilateral, no processo. A transformação deve partir da pessoa, e não do profissional. “O indivíduo não é mais paciente, ele deixa de ser passivo e passa a ser ativo no processo”, acrescenta Lancha. “Ele se torna cliente”, completa.
A partir disso, é necessário, então, pensar nas estratégias e comportamentos a serem estabelecidos a partir da descoberta. Lembrando, sempre, que o empoderamento do cliente é o fator determinante deste tratamento.
O poder da reestruturação
“Normalmente, as dietas colocam a responsabilidade em cima de algum alimento ou de algum nutriente”, ressalva Lancha. Além disso, ele menciona que o método tradicionalmente utilizado se baseia nos três pilares de “fato, força, e medo”. Isto é, as dietas procuram atingir mudanças a partir de receios e apreensões.
“E o que descobrimos é que ninguém muda a partir do medo”, constata. O docente reforça que a estratégia apresentada demonstra que a modificação acontece a partir do estabelecimento de uma relação entre o profissional de saúde e cliente.
A transformação é atingida com base na teoria dos 3 Rs: desenvolver uma relação profissional-cliente, consolidar uma reestruturação do padrão comportamental e assegurar a repetição desse novo modelo.
Esse esquema é fundamental para a obtenção dos resultados. Conforme apresentado no artigo, a estratégia resultou em benefícios antes não imaginados. O método obteve melhorias nos hábitos nutricionais e nos resultados clínicos do indivíduo. Este apresentou menor ingestão de gorduras, ao passo em que teve melhora na sua saúde e na sua qualidade de vida.
Para isso, deve-se levar em consideração o que, dentro da realidade de cada pessoa, é possível de ser realizado. E valorizar cada progresso, ao invés de colocar inúmeros desafios. Então, por menor que seja o avanço, motivar os próximos passos, de forma com que a intervenção não se torne mais um problema e, sim, a solução.
Deixar contar a história
A intervenção nutricional se baseia nos princípios da psicologia positiva e na prática de entrevistas motivacionais. A técnica das perguntas abertas opõe-se à anamnese tradicional – procedimento de entrevista realizada por profissionais de saúde – no que diz respeito à importância do cliente em estar no controle de suas ações.
O open questions, como também é conhecido, é vital para a pessoa descobrir, em seu interior, o que de fato vai motivá-la a aderir à essa transformação comportamental.
O método, além de promover o emagrecimento, proporciona uma relação melhor com a alimentação e com o próprio corpo da pessoa. Essencialmente, o modelo ampara e consolida uma mudança de padrão e de mentalidade, de forma com que se torne sustentável ao longo do tempo.
“Você tem que…”
A conhecida frase que sempre acompanha os regimes de dieta é abolida nesta intervenção nutricional. Lancha brinca: “Você não tem que nada”. “Essas palavras nós eliminamos no treinamento”, acrescenta.
O diferenciativo do método é, justamente, fazer com que haja a mudança da estrutura do padrão de comportamento. Assim, estabelece-se um caminho viável, que se respalda totalmente no empoderamento do cliente para que, definitivamente, não se tenha o ‘retrocesso’.
A dieta, como estratégia aguda de tratamento, consiste em atingir um objetivo a partir de uma ação intervencionista. Desta forma, após realizado, a pessoa se vê ‘livre’ para voltar para o seu padrão anterior e – consequentemente – engordar de novo, segundo Lancha.
A estratégia de intervenção apresentada, além dos diversos resultados pontuados, preza ainda pela manutenção duradoura do novo padrão. Além de ser um modelo sustentável e aplicável em qualquer situação, o método não é válido somente para a nutrição e o emagrecimento. É passível de ser empregado por outros profissionais de saúde.
“Tanto é que vamos oferecer, aqui na EEFE, uma disciplina chamada ‘Coaching de bem estar e saúde’ no 2° semestre”, revela. Lancha comenta que será voltado para profissionais de saúde como fisioterapeutas, enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas e médicos. O intuito é mudar a postura em relação ao cliente, a qual é um dos balizadores do método de emagrecimento sem dieta.
Excelente Artigo. Parabéns!