A exposição a poluentes é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um dos fatores que têm grande impacto na saúde humana. Frente a isso, o projeto Astrid – Acessibilidade, justiça social e impacto da emissão veicular no desenvolvimento de estratégias orientadas pelo trânsito coordenado pela professora Maria de Fátima Andrade, do Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG-USP, analisa a poluição de um ponto de vista social. Para isso, demonstra como a população dos centros urbanos é diariamente exposta a impurezas presentes no ar, resultado, por exemplo, da queima de combustíveis fósseis.
O projeto é resultado de uma chamada publicada pela Fapesp e inclui mais duas agências de financiamento – uma da Inglaterra e outra da Holanda – que tem como proposta a elaboração de uma pesquisa nas áreas de acessibilidade ao transporte, planejamento urbano e exposição a poluentes.
A pesquisa tem como objetivo principal analisar, dentro de diferentes sistemas de transportes, os níveis de material particulado e black carbon (em português, a tradução mais próxima seria fuligem) aos quais a população está exposta – os dois poluentes que mais têm efeitos danosos à saúde, segundo a OMS. Além do caráter experimental, foram distribuídos, em cada um dos locais onde é realizado o projeto, 1500 questionários – elaborados pela professora Adelaide Nardocci, da Faculdade de Saúde Pública, junto à pós-doutoranda Anne Slovic – para pessoas de diferentes localidades dos centros urbanos.
Níveis de exposição
Para dar andamento ao estudo, é importante que a medição dos poluentes – feita pela aluna de doutorado Veronika Brand – seja realizada e analisada utilizando os mesmos percursos, ou percursos parecidos, com os diferentes meios de transporte. Isso também foi feito nas três cidades, São Paulo, Londres e Ramstad, e os resultados obtidos foram comparados.
A professora explica que, de forma geral, foi observado que dentro dos ônibus a concentração de black carbon foi maior, devido à proximidade com as vias. No metrô, verifica-se uma maior concentração de material particulado, proveniente do atrito do trem com os trilhos durante o processo de frenagem. E, dentro dos carros, a concentração dessas partículas foi menor do que nos outros sistemas, devido ao uso de ar condicionado com os vidros fechados, o que acaba isolando o ambiente.
A pesquisa também acaba por expor alguns índices sociais ao demonstrar que os valores obtidos não só variam de cidade para cidade, mas entre diferentes pontos de uma mesma localidade. Foi observado que as pessoas que moram em regiões mais próximas ao centro da cidade estão menos expostas às partículas nocivas. “Quando você mora em regiões mais centrais, fica muito menos tempo no sistema de transporte, então sofre uma exposição muito menor. Quem mora periferia vai gastar duas horas e vai estar exposto a diferentes meios. Então, por isso, existe também o aspecto de justiça social e acessibilidade”, explica Maria de Fátima.
Para complementar a pesquisa, em 2017, foi implementado o projeto Particles and black carbon exposure to London and São Paulo bike-lane users (Pedals), que tem basicamente os mesmos objetivos do Astrid, porém é realizado com bicicletas. As análises foram feitas nas mesmas localidades, com uso dos mesmos aparelhos de medição.
Segundo Maria de Fátima, o que foi observado é que a exposição a quem utiliza a bicicleta como meio de transporte é maior em relação aos outros sistemas, mas que isso pode depender da rota utilizada, uma vez que os resultados podem ser diferentes quando as medições são realizadas quando se utiliza ciclofaixas e quando são escolhidas rotas alternativas.
Poluição e Economia
Um dos grandes erros que acabam agravando a situação da população, muitas vezes, está relacionado à forma como os sistemas de transporte são pensados. E isso não tem impactos apenas na saúde pública, mas influencia também a economia.
Quando as políticas públicas de otimização da rede de transporte pública são projetadas, é dada muita ênfase à acessibilidade, mas as questões relacionadas à qualidade do ar são negligenciadas ou simplesmente esquecidas. “Os ônibus que circulam em corredores, deveriam ser mais limpos ou eventualmente elétricos. Se for garantido um sistema mais limpo especialmente nas áreas que têm maior fluxo de passageiros e de veículos, a população vai estar sendo protegida. Então, em termos de saúde, vai existir uma economia”, explica a coordenadora do projeto.
O impacto econômico gerado pela exposição a essas partículas está relacionado aos índices de mortalidade e de morbidade. A professora explica que existem modelos que para calcular o impacto econômico consideram, em função desses índices, horas perdidas de trabalho e o custo no sistema de saúde. Ela afirma que se esses dados fossem pensados desde o início para a elaboração de sistemas de transportes mais limpos, o custo inicial até poderia ser maior, mas o Estado estaria economizando em muitas outras áreas, principalmente na de saúde pública.
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