Coreia do Sul se destaca no debate da desnuclearização

Pesquisador da USP analisa o papel do país atualmente na península coreana — e como ele afeta o processo de mudança das normas internacionais da região

Flores representando uma Coreia na Seoul Plaza. Fonte: http://www.korea.net/

Por milhares de anos, a Coreia era apenas uma nação e um país. No início do século 20, foi invadida pelo Japão (1910-1945). E depois, num contexto de Guerra Fria e de hegemonias soviética e norte americana, a Guerra da Coreia (1950-1953), que não teve um fim, apenas um cessar fogo, dividiu a nação em dois países diferentes — e assim o território se configura até hoje.

Na década passada, a península coreana teria seu destino decidido por outros países, aqueles considerados mais poderosos no cenário global. No entanto, na análise de episódios muito recentes, o que pouco se fala é que essa situação parece mudar: com o debate quente da desnuclearização da Coreia do Norte, agora, a Coreia do Sul estaria assumindo uma posição de protagonista no destino da península. É isso que Kang Sang June, doutorando sul coreano do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI/USP), analisa em entrevista à AUN.

Os testes nucleares e de mísseis na Coreia do Norte há muito preocupam a comunidade internacional. Uma série de sanções foi imposta ao país como forma de demonstrar desaprovação e como tentativa de enfraquecer o regime de Kim Jong-un, líder norte coreano. Porém, nos últimos quatro meses, avanços significativos foram observados no debate da desnuclearização: após a participação conjunta das delegações norte e sul coreana nos Jogos Olímpicos de Inverno, em fevereiro, o debate avançou a ponto de marcarem-se encontros entre Kim Jong-un e Moon Jae-in, presidente sul coreano, previsto para 27 de abril; e entre Kim e Trump, previsto para maio. Kang diz: “A Coreia do Sul organizou a conversa entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos. A administração de Trump não conversaria com a Coreia do Norte sem a pressão da Coreia do Sul”.

Essa afirmação ilustra o argumento de Kang do protagonismo sul coreano. O pesquisador estuda a mudança de Normas Internacionais, que define como um fator legal que países da comunidade internacional aceitam como algo natural a se seguir. Geralmente, são os países mais poderosos que as definem. Todo país regula essas normas — mas elas mudam. E ele argumenta: tal mudança está sendo vista na península coreana por parte da Coreia do Sul. “Diria que, de acordo com uma perspectiva mais tradicional, a política internacional é determinada por grandes potências. E as normas internacionais são resultado da negociação entre poderes principais”, explica. “Porém, um dos meus argumentos de pesquisa é que a norma internacional também pode ser criada ou mudada por países não-poderosos. Se você olhar para a situação da península coreana, não é a China, não é o Japão, não é a Rússia, não são os Estados Unidos: é a Coreia do Sul, que é relativamente menor do que os outros poderes na Nordeste da Ásia, que está liderando a mudança das normas de instalação de paz na região”, diz. “Apesar de ser a nossa nação e o nosso país, na península coreana, a ação era limitada — até agora. Mas agora, a Coreia do Sul cria um novo sistema. Então, nosso destino não estaria deitado no arbítrio de outros grandes e principais poderes. Nosso destino seria determinado pelo livre arbítrio da população coreana.”

“A Reunificação é o nosso destino”

Qual seria, então, o destino de ambos os países? Kang aponta a reunificação como um dos principais objetivos. Reunificação de uma única nação que assim fora por milhares de anos e que, na História recente, fora dividida em dois territórios diferentes. Não só a reunificação uniria novamente duas populações com muitas características em comum, mas também seria uma maior garantia da paz (considerando, principalmente, que tecnicamente a guerra não está terminada). “A nação coreana é uma. Mas está separada. As pessoas da Coreia do Sul e do Norte foram uma nação por milhares de anos. As Coreias têm uma identidade comum, com a mesma cultura, língua, história e tudo mais. Então, a reunificação é nosso destino.”

O doutorando acrescenta, ainda, a necessidade da instalação da paz na península: “Os testes nucleares no Norte são nosso maior problema. Nós não queremos uma guerra de novo. A Guerra da Coreia, que terminou em 1953, deveria ser a última na península coreana. Então, nós temos que prevenir guerras na península e resolver esse problema das armas nucleares.”

Expectativas para os encontros históricos

Ao que tudo indica, os líderes norte e sul coreanos irão se encontrar em 27 de abril. Essa será a terceira cúpula entre líderes desses dois países — a primeira ocorreu em 2000 e a segunda em 2007, ambas com a presença norte coreana do então líder Kim Jong-il, pai de Kim Jong-un, e sul coreana dos presidentes Kim Dae-jung e Roh Moo-hyun, respectivamente. Segundo o pesquisador, muitos coreanos pensam que o presidente atual Moon Jae-in está muito mais disposto ao debate do que a ex-presidente Park Geun-hye, que sofreu impeachment em março de 2017 e que foi condenada a 24 anos de prisão por corrupção em 6 de abril deste ano. Sobre esse encontro, que Kang classifica como parte de uma série histórica, ele diz suas expectativas: “É difícil dizer, mas o que nós sul coreanos esperamos é a instalação da paz interna. A Guerra da Coreia não terminou. Na península coreana, a situação é de cessar fogo. Pode haver guerra a qualquer momento. E para fazer isso, temos que negociar, e também poderiam ser discutidas questões de direitos humanos na Coreia do Norte.”

“Acredito que o conteúdo do encontro entre a América e a Coreia do Norte será muito determinado pelo resultado das discussões entre os líderes da Coreia do Norte e do Sul”, diz Kang sobre o encontro entre Kim Jong-un e Trump. “A desnuclearização, instalação da paz, direitos humanos, auxílios econômicos, são fatores chave.”

 

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