As manifestações de junho de 2013 já são consideradas um marco da história recente do Brasil. Em São Paulo, as numerosas passeatas convocadas pelo Movimento Passe Livre e por outros coletivos transformaram as ruas da cidade em um grande palco de lutas políticas. Para Agel Teles Pimenta esse contexto foi fundamental para a convergência entre a arte e o ativismo. Assim, manifestações, intervenções e performances artísticas passam a “reivindicar maior participação popular em decisões políticas, ocupando os espaços públicos da cidade e planejando ações”.
Em seu mestrado, a pesquisadora estudou o artivismo na metrópole de São Paulo, tendo como foco as ações do Organismo Parque Augusta (OPA), coletivo que tinha como principal atuação preservar o terreno que fica localizado próximo à praça Roosevelt livre de empreendimentos imobiliários.
Embora em 2013 o então prefeito Fernando Haddad tenha sancionado a criação do parque, no mesmo ano as construtoras Setin e Cyrela, proprietárias do terreno, fecharam o seu acesso à população. Nesse momento, o OPA começa a realizar uma série de intervenções, entre elas a ocupação Vigília Criativa, que durou 48 dias, até ocorrer a reintegração de posse em março de 2015.
Agel Pimenta explica que a principal motivação para pesquisar a convergência entre arte e ativismo por meio da atuação do OPA veio do livro Insurgências Poéticas: Arte Ativista e Ação Coletiva, de André Mesquita. Esse texto, fundamental para compreender o que é o artivismo, a levou a fazer intervenções na cidade de São Paulo, que, consequentemente, a levaram a se tornar uma pesquisadora da área.
Segundo Pimenta “o que fascina na arte ativista é o seu caráter transgressor. Por meio de proposições artísticas, os coletivos de arte lutam por uma causa política e muitas vezes por uma mudança de âmbito social e transformação urbana”.
A confluência entre arte e política não surgiu apenas em 2013. A pesquisadora explica que “o artista moderno já representava a luta de sua época e participava ativamente dela”. Isso é o que ocorria na arte realista de Courbet e Daumier, cujo engajamento político já colocava em evidência a função social da arte.
As vanguardas históricas antiartísticas também foram fundamentais para tal confluência, na medida em que iam de encontro às convenções da arte burguesa. Por isso, a pesquisadora e artivista explica que “a arte moderna representa o estopim para pensamentos que pregam a negação ou a contestação da obra de arte e a necessidade de buscar uma comunicação entre o artista e a ordem social, relacionando a produção estética à política”.
Por isso as vanguardas trouxeram a possibilidade de, por meio da arte conceitual, pôr em evidência os processos de trabalho, campos de discussão teórica, e não necessariamente a obra em si. Isso operou uma mudança profunda que Pimenta sintetiza como a transição entre a necessidade de “verdadeiros artistas” para a abertura do campo artístico para “não artistas”. Dessa maneira, o purismo academicista da arte abre espaço a intervenções que “abrangem uma postura de movimentação social e política, como manifestações, protestos, mobilizações comunitárias, projetos artísticos e até ocupações de prédios abandonados”.
Aliar o exercício artístico à luta pelo direito à cidade foi a principal motivação do OPA. A pesquisadora analisa que a insurgência do artivismo em São Paulo se relaciona a uma busca por reinventar a cidade. Com esse objetivo “surgiram coletivos que questionam o modus operandi do sistema político atual”, propondo novas formas de política que, embora não sejam de interesse do Estado, são fundamentais para a população.
Além de acompanhar as atividades do OPA, a pesquisa mapeou uma microrrede de coletivos que atuam nas imediações da praça Roosevelt. Entre eles está o Ateliê Compartilhado Casa Amarela, e o coletivo Buraco da Minhoca. Embora não tenham um objetivo único, esses coletivos possuem uma série de pautas comuns que se relacionam à busca por uma experiência democrática da cidade. Entre essas pautas destacam-se preservação ambiental, diversidade cultural e participação ativa da sociedade por meio de conselhos nas decisões do Estado, de modo a tornar a cidade um ambiente mais democrático.
A pesquisadora ressalta que a melhor maneira de conhecer o artivismo é envolver-se com ele, engajar-se nas questões emergentes da cidade. Por isso, durante a pesquisa também atuou como artivista, registrando a experiência da população com o Parque Augusta e algumas ações diretas do OPA. Além de sua pesquisa de mestrado e de uma série de entrevistas, Pimenta registrou três vídeos que podem ser acessados no Vímeo. Copa das Árvores, disponível em https://vimeo.com/113304856, Primeiro Ato em Defesa dos Parques Ameaçados, disponível em https://vimeo.com/91445952 e Ciranda Livre, disponível em https://vimeo.com/94243054. Os vídeos registram cenas da população usufruindo do Parque e ações diretas do OPA e outros coletivos em prol da democratização dos parques de São Paulo.
Pimenta ressalta que o artivismo é um tema novo, às vezes desconhecido por grande parte da população e pouco explorado pela mídia tradicional. Entretanto, é um assunto fundamental, pois questiona as decisões da política institucional e propõe novas maneiras viver a cidade. Seja via engajamento ou pesquisa, conhecer os caminhos do artivismo na cidade de São Paulo hoje é uma maneira de ressignificar a ideia de democracia. Muito além do sistema representativo, o artivismo é uma prova de que a política pode ser realizada por meio da participação popular dos problemas urbanos, buscando soluções que propiciem uma experiência plural da cidade.
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