Genética revela alta miscigenação em população quilombola

Comunidades têm DNA europeu, negro e indígena e elevada probabilidade de doenças devido à ocorrência de casamento consanguíneo

Comunidade quilombola no Vale do Ribeira. Imagem: Raquel Pasinato/ISA

Um grupo de comunidades quilombolas na região do Vale do Ribeira foi a base dos estudos genéticos que resultaram na publicação da tese de mestrado de Renan Barbosa Lemes, “Estimativa de parâmetros genético-populacionais em populações isoladas” e, hoje, guiam seus estudos de doutorado. Por meio de uma análise dos níveis de endocruzamento dos indivíduos, foi possível revelar o grau de casamentos consanguíneos e estimar quais doenças podem ter maior incidência nesses grupos devido à proximidade genética.

Renan conta que o endocruzamento, em um nível ou outro, é muito comum. “Existe uma taxa até elevada de casamentos consanguíneos, mas a maioria é tão distante que não é possível verificar um nível de parentesco dos indivíduos. Todos seriam parentes em algum grau se voltarmos tempo suficiente para achar os nossos ancestrais comuns” explica. Esse fator torna a interpretação dos dados mais complicada. O que se obtém, geralmente, são estimativas de endocruzamento mais recente, por ele ser mais facilmente visualizado na análise.

Tais fatores tornam uma população como a quilombola um objeto de estudo ideal, já que ela se formou a partir de um grupo pequeno e permaneceu em isolamento geográfico durante aproximadamente cinco gerações. “O efeito do endocruzamento é melhor visualizado em populações pequenas isoladas”, diz Renan. “Hoje em dia, as populações já não são mais tão isoladas, mas sua formação histórica teve como consequência níveis mais elevados de casamento consanguíneo. Depois de duas ou três gerações, todo mundo vai acabar sendo parente de alguma forma, porque o número de fundadores da população é pequeno”, explica.

O fato de o endocruzamento se dar entre indivíduos mais próximos leva a uma maior ocorrência de doenças: as comunidades estudadas possuem incidência mais elevada do que a média de albinismo, anemia falciforme, hipertensão e obesidade. “Embora sejam caracteres complexos, espera-se que esses alelos estejam em homozigose na maior parte desses genes devido ao endocruzamento populacional” diz Renan. Ele acredita que os níveis de anomalias só não são mais elevados devido às condições peculiares dos grupos iniciais, que, por estarem em fuga de uma sociedade branca escravista, viviam em constante regime de seleção.

Esse seria o primeiro interesse da pesquisa: explicitar os riscos médicos enfrentados por essa população. Uma das linhas do projeto do qual Renan faz parte é dedicado exclusivamente à genética médica populacional. A análise genética não é só capaz de dizer algo sobre a condição atual das populações, mas também sobre seu passado: os dados fornecem informações sobre a formação dos grupos, especialmente no que diz respeito à composição étnica. “Usando regiões de homozigose, conseguimos verificar como se deu a dinâmica de miscigenação entre os europeus que estavam na região, os escravos africanos que foram trazidos e os indígenas que geraram esse quilombo”, explica o pesquisador.

Pela análise dessas regiões do genoma — que se tornam maiores conforme a proximidade dos indivíduos — foi possível determinar que a população possui um grau intermediário de endocruzamento, fator que representa altos índices de miscigenação. “Conseguimos verificar a ancestralidade dos segmentos e ver que cerca de 40% dos genomas dos quilombolas é europeu, 40% é africano e mais ou menos 20% é indígena. É uma miscigenação enorme, algo que a gente não observa em quase nenhuma população no mundo”, ele observa.

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