Geralmente o que leva o grande público ao museu são as suas exposições ou a curiosidade de conhecer seu edifício. Muito além dessa fruição estética e cultural, o Museu Paulista (MP), também conhecido como Museu do Ipiranga, é um espaço de custódia de documentos e objetos históricos que servem de base para os mais diferentes tipos de pesquisa. Embora sua sede no Parque da Independência esteja fechada desde 2013, seu arquivo, também localizado no Ipiranga, à rua Xavier Curado, continua funcionando plenamente. Rodrigo Irponi, doutorando em História pela FFLCH-USP e responsável pelo Serviço de Documentação Histórica e Iconografia do MP, explica o papel do acervo como fonte para diferentes áreas do conhecimento.
Surgido em 1893, o museu abriga iconografia, documentos e objetos que abrangem do século 16 ao século 20. Para custodiar todo esse acervo, a instituição conta com dois órgãos fundamentais: o Setor de Objetos e o Serviço de Documentação.
O Setor de Objetos reúne todas as peças tridimensionais do museu: indumentária, moedas, móveis, joias e outros elementos que permitem conhecer a história do Brasil por meio da cultura material. Já o Serviço de Documentação reúne os mais diversos tipos de imagens e documentos, como cartas jesuíticas, registros coloniais, jornais dos séculos 19 e 20, propagandas históricas e arquivos da época da ditadura.
Atualmente, o MP possui um arquivo de aproximadamente 200 metros lineares. Para medir o metro linear, coloca-se todo o conjunto de documentos de maneira vertical e, somada a gramatura de cada uma de suas folhas, chega-se à sua medida. A quantidade de documentos arquivados no museu ultrapassa até mesmo a medida da fachada do suntuoso Palácio da Independência.
Não é qualquer documento histórico que pode compor o acervo do museu. O arquivo conta com um processo de curadoria que segue suas três linhas de pesquisa: Cotidiano e Sociedade, Universo do Trabalho e História do Imaginário. Assim, Irponi explica que os curadores, no caso os docentes do museu, “optam por trazer esse acervo porque ele tem mais a ver com a linha de pesquisa institucional do que aquele”. Muito além de elaborar uma exposição, a curadoria de um museu de pesquisa “vai desde a seleção dos itens que vão integrar o acervo até a forma como isso vai ser organizado, conservado e exposto”, comenta.
Uma vez que os documentos chegam ao museu, devem ser armazenados no arquivo com critérios mais objetivos possível, garantindo que a organização seja longeva. A precisão desses critérios é o que vai possibilitar que os documentos sejam utilizados como fonte de pesquisa.
Irponi explica que ao receber uma nova coleção, o arquivista precisa classificar e contextualizar as atividades que ela descreve. Por isso, precisa identificar se um conjunto de objetos é realmente um conjunto, ou seja, se todos os documentos se relacionam à instituição que o produziu. “A partir do momento que se criou um critério para organizar a coleção, ela pode ser oferecida ao público, o que nem sempre é uma tarefa fácil”, avalia.
O maior conjunto documental da instituição é o Fundo Museu Paulista. O historiador e arquivista explica que o fundo “é um instrumento de pesquisa que foi construído em 1994. Ele foi um projeto longo, em que foram organizados todos os documentos produzidos pelo museu desde quando ele foi inaugurado até ser incorporado à USP”. Por isso, o fundo reúne documentos que vão de 1893 a 1963.
O contato do historiador com a riqueza de documentos presentes no arquivo da instituição levou-o ao tema de sua pesquisa de doutorado. Irponi estuda como os arquivos presentes nas instituições de custódia de documentos, como o Museu Paulista, “influenciam a produção de uma determinada narrativa histórica, embasada em um discurso e em outros fatores que também são contextuais.”
Irponi considera que o contexto de produção da pesquisa histórica é tão fundamental para a produção do conhecimento quanto os arquivos mantidos nas instituições de custódia. Baseado na máxima de Benedetto Croce, “a verdadeira história é a história contemporânea”, ele analisa o quanto o recorte que se faz dos documentos do arquivo depende do contexto do pesquisador. “Hoje, por exemplo, questões de gênero e étnico-raciais, são muito importantes. A questão da representação é o que está ali na ordem do dia da reflexão historiográfica”, analisa.
Além da abordagem, do recorte historiográfico, o arquivo do museu é base para estudos nas mais diversas áreas do conhecimento. Atualmente, uma pesquisadora da área do design, que estuda a introdução do plástico no mercado brasileiro, está trabalhando com propagandas da primeira metade do século 20. Há pesquisadores que abordam a história da cidade de São Paulo por meio da iconografia de época. Os documentos do arquivo também permitem estudar história da comunicação, pois ele reúne diversos jornais do século 19. Desse modo, os arquivos que constituem os museus de pesquisa são verdadeiras searas para a produção de saberes nas mais diversas áreas.
Embora o arquivo seja público, e possa ser consultado por qualquer pesquisador que se interesse pelos seus documentos, a maior dificuldade que se enfrenta é a de divulgação de seu conteúdo, muitas vezes desconhecido ou de difícil acesso ao público. É o caso do Fundo Museu Paulista, por exemplo, que apesar de reunir e organizar grande parte dos documentos pertencentes ao museu, possui uma linguagem de difícil acesso ao público não especializado. Por isso, a visita ao arquivo pode facilitar a vida do pesquisador que deseja acessar algum documento presente no acervo do museu.
Para conhecer melhor o acervo, o pesquisador pode visitar o Serviço de Documentação Histórica e Iconografia, que fica localizado à rua Xavier Curado, 25, no bairro do Ipiranga. Os atendimentos são realizados de segunda a sexta, das 9:00 às 16:00.
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