Assentamento do MST revela uma alternativa ao agronegócio

Nas terras de Ribeirão Preto (SP), camponeses se apropriam da agrofloresta para recuperar o solo e gerar renda própria

Agricultora Jesuíta mostra a primeira área de implantação do projeto de agrofloresta. Foto: Mônica Iha

Desde 2013, o Assentamento Mário Lago, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem unido a luta pela distribuição de terras no país à defesa de uma forma sustentável de produzir alimentos na cidade de Ribeirão Preto, no interior do estado de São Paulo. O trabalho tem causado mudanças significativas no ambiente e, também, na vida dos próprios camponeses.

Há dez anos assentados na região, os agricultores consolidaram uma parceria com o Projeto Agroflorestar para a implantação da agrofloresta em suas terras, um sistema que, diferentemente das monoculturas, busca produzir alimentos e recuperar o ambiente ao mesmo tempo.

O resultado desse processo foi exitoso. Hoje, além de terem desenvolvido uma nova relação com o solo e o meio ambiente, os assentados conseguem obter renda com esse trabalho, através de uma reforma agrária ambiental. Muitos desses agricultores carregam uma trajetória de vida semelhante, tendo sido explorados no trabalho como boias-frias antes de conseguirem seu lote de terra.

A tese de doutorado da geógrafa Mônica Hashimoto Iha buscou contar a história desse processo e os saldos gerados para a vida dos camponeses e o espaço da Fazenda da Barra, onde localiza-se o assentamento. Intitulada A apropriação da agrofloresta na afirmação da reforma agrária: um estudo sobre o processo de recampesinização no assentamento Mário Lago em Ribeirão Preto — SP, ela foi defendida neste ano na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Influenciada pelos ensinamentos da engenheira agrônoma e pioneira nos estudos da agroecologia no Brasil, Ana Primavesi, a geógrafa fez visitas espaçadas durante o processo de implantação do Projeto Agroflorestar no assentamento, acompanhando o processo de evolução e aprendizado dos camponeses com a agrofloresta.

Iha caracteriza esse exemplo como um contraponto ao modelo do agronegócio. “O enfrentamento da precariedade a qual foi relegada a população dos assentamentos se faz nesta busca de alternativas para os grandes desafios da atualidade no qual sujeitos sociais do campo lutam para afirmar o rural como espaço de vida e trabalho”, defende.

Área

Autointitulada a “capital do agronegócio”, Ribeirão Preto é tida como o mais tradicional polo de produção de açúcar e etanol do país. Por trás do agronegócio pujante, no entanto, existiam formas arcaicas de exploração do trabalho.

A Fazenda da Barra, na qual localiza-se hoje o assentamento do MST, foi desapropriada para fins da reforma agrária em 2007 por denúncias comprovadas de descumprimento das leis ambientais e, também, trabalhistas, com exploração da mão de obra de mulheres e crianças. O assentamento foi organizado com 260 famílias em lotes que não chegam a dois hectares.

Após a posse, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) assinou um Termo de Ajustamento de Condutas (TAC), no qual exigia a garantia de que 35% da área da região seria destinado à recomposição florestal.

A implantação da agrofloresta foi essencial para essa demanda e para garantir a preservação da vegetação da área de recarga do Aquífero Guarani, considerado o maior reservatório subterrâneo de água doce do planeta. Iha explica que, de acordo com pesquisas de Ana Primavesi, a diversidade de plantas permite que a água penetre no solo com muito mais facilidade, assegurando a sobrevivência desse patrimônio nacional.

Agricultores e técnicos no manejo da terra. Foto: Divulgação/MST

Com o novo sistema de manejo das terras, os agricultores buscam sistemas que não sejam exploratórias como a monocultura, prevalecente no agronegócio, fazendo, por exemplo, consórcios que combinam plantas de tempos diferentes. “A gente vai ter árvore plantada junto com verduras em um mesmo canteiro”, exemplifica a pesquisadora.

Em entrevista, Iha conta que o assentamento, hoje, tem uma organização social completa e ativa: “Eles tem centro comunitário, posto de saúde, escola próxima, ônibus escolar que passa para pegar as crianças”.

Terra

Na linha de pesquisa adotada pela geógrafa, caracterizada por ela mesma como uma “geografia do poder”, uma vez que se estudam disputas de formas de uso do território, a terra é entendida como forma de acesso aos meios de produção. Quem e como a usa passam a ser questões centrais do estudo.

É assim que a própria pesquisadora define seus objetivos: “Contrapor a experiência anti-hegemônica do MST, dos camponeses utilizando essa forma de agricultura nova. Um modelo que vai questionar o agronegócio, que é uma forma de apropriação de recursos, produção de riqueza e acumulação de capital.”

A experiência da agroecologia nessa porção de terras de Ribeirão Preto, explica a geógrafa, levou, por exemplo, à diminuição da acidez do solo, como mostram pesquisas relacionadas, permitindo uma maior exposição dos nutrientes e acarretando menor necessidade de insumos. “Isso reduz muito o custo e é muito importante para que a produção camponesa tenha uma dependência menor dos recursos externos”, conta.

Empoderamento econômico

Para o processo de autonomia camponesa pautado na pesquisa, a comercialização de parte da produção de hortaliças foi essencial. O acesso dos assentados à renda e a um conhecimento que não tinham antes foram fatores favorecidos pela agrofloresta no Assentamento Mário Lago. “Uma forma de reaprender a fazer agricultura”, como caracteriza Iha.

“Não adianta nada a gente ter uma produção agroecológica se ela não se volta para as próprias pessoas que estão envolvidas”, pontua. O retorno da renda gerada pelo trabalho dos camponeses neste assentamento do MST acontece de duas formas: através do Programa Agrário de Aquisição de Alimentos (PAA) do governo federal e, principalmente, do comércio das cestas agroflorestais produzidas por eles.

Curso realizado em março de 2017 pelo Projeto Agroflorestar e assentados mostrando um pouco do que fizeram e aprenderam neste período. Foto: Divulgação

O caso do casal de assentados Jesuíta — que ilustra a capa desta matéria — e Zezão, acompanhado pela geógrafa ao longo de seu trabalho, exemplifica isso. Os agricultores, que trabalhavam como boias-frias, à semelhança de muitos de seus companheiros, participam ativamente desde o início das atividades de implantação da agrofloresta no assentamento.

Ao acompanhar a produção da agrofloresta no lote dos agricultores, o sítio do Ipê Amarelo, de apenas 1,7 hectares, entre o mês de fevereiro de 2015 e de 2016, Iha levantou a produção de 52 diferentes espécies. No mês de junho, ápice da produção, foram colhidos 570 quilos de alimentos entre alface, chicória, rúcula e mostarda.

Neste período de um ano, a comercialização desses produtos gerou uma renda bruta de R$ 8.653 para os agricultores, com uma renda média de R$ 721. A venda das cestas agroecológicas correspondeu a 60% deste valor, sendo complementada pelo renda obtida com o PAA.

“Esses projetos vão tentar fazer com que essa renda fique no rural”, defende a pesquisadora. O projeto desenvolvido no Assentamento Mário Lago é, segundo ela, um exemplo de alternativa ao ônus acarretado pelo agronegócio e o capital ao campo brasileiro.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*