A associação do treinamento de força (aquele feito com pesos para força muscular) com movimentos que trabalham situações de desequilíbrio ajuda no tratamento de pacientes de Parkinson sem ajustes de postura e retarda a progressão da doença. A descoberta é da pesquisadora da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, Carla da Silva Batista.
O mal de Parkinson é uma doença que diminui a ativação de estruturas do sistema nervoso central levando à perda no controle dos movimentos. A doença tem alguns sintomas característicos como o tremor, a rigidez dos músculos, a dificuldade e redução generalizada para iniciar e executar os movimentos (bradicinesia) e a redução dos ajustes da postura, ainda que no sentido de antecipar movimentos (instabilidade postural).
Carla esclarece que a instabilidade postural é um dos piores e mais incapacitantes sintomas da doença. “Quando o paciente chega num estágio com esse sintoma, o Parkinson progride rapidamente. O tratamento farmacológico e cirúrgico não é efetivo para a instabilidade postural, por isso, tentamos associar o treinamento de força com a instabilidade”. Ela considera que a motivação do estudo foi justamente haver melhora nos sintomas da doença através do exercício físico, mas que são pouco conhecidos pelos neurologistas e pacientes.
Portanto, a pesquisadora decidiu por analisar o efeito do treinamento de força e do treinamento de força com instabilidade nos pacientes de estágios dois e três de Parkinson. No segundo, o comprometimento é de apenas um lado, mas com os sintomas motores e um membro especificamente mais afetado. No terceiro, os sintomas surgem nos dois lados, além da instabilidade postural. Ao todo, são cinco estágios, sendo o primeiro mais leve, tendo apenas um lado comprometido com sintomas. No nível cinco, há comprometimento dos lados do corpo com graves sintomas, além de alto déficit cognitivo, levando o paciente ao confinamento à cadeira de rodas.
O treinamento de força consiste em exercício com pesos, que leva ao aumento da atividade no sistema nervoso central devido à sobrecarga e promove ganho de força muscular. Já o treinamento de força com instabilidade adiciona aparelhos instáveis como discos infláveis, bosu e balance-disk para trabalhar o equilíbrio e a postura dos voluntários.
Assim, 39 pessoas, recrutados da Associação Brasil Parkinson foram divididos em três grupos: uma praticou apenas exercício de força, outra treinou força com elementos de instabilidade e uma terceira fez nenhum treinamento, para controle. Ambos os treinamentos se desenvolveram com dificuldade progressiva durante três meses, duas vezes por semana com sessões de uma hora de duração.
Depois desse período, os voluntários tiveram seus resultados e Carla explica que tanto o grupo de treinamento de força quanto o grupo de treinamento de força com instabilidade melhoraram nos aspectos neuromusculares, ou seja, houve aumento de força e massa muscular e quantidade de força aplicada em um certo tempo. “No entanto, quem treinou com instabilidade melhorou mais a produção rápida de força, que está relacionada com desequilíbrio, adaptação e mudança de direção no movimento. Dessa forma, se vê que treinar apenas força melhora somente sintomas neuromusculares, mas não os clínicos da doença. ”
Quanto aos aspectos clínicos, ligados à evolução da doença, a pesquisadora afirma que apenas o grupo de treinamento com instabilidade teve resultados positivos. “Na análise estatística, o grupo controle piorou porque não fez nenhum exercício. O grupo de treinamento de força impediu a piora. Mas foi o grupo de treinamento com instabilidade que teve grande melhora nos valores, retardando a progressão da doença. Além disso, também houve melhora quanto ao déficit cognitivo”
No sentido de encontrar uma razão para essa diferença, a pesquisadora explica que formulou hipóteses. Uma delas é que a complexidade da tarefa causa neuroplasticidade. “Associar a progressão da força e a progressão da instabilidade torna a tarefa complexa. A complexidade causa neuroplasticidade, permitindo que novas sinapses e mais neurônios sejam formados. Um dos motivos para o levantamento dessa hipótese é o déficit cognitivo ter melhorado bastante. Mas, para comprovar isso, é necessária uma medida da atividade cerebral, que não foi feita nesse estudo”.
Após a conclusão da pesquisa, Carla têm visitado associações voltadas à pacientes da doença e apresentado o método de treinamento de força e instabilidade. Segundo ela, o grande apelo do treino é justamente a atuação em áreas não responsivas ao tratamento cirúrgico e farmacológico. ”O método é adotado por muitos pacientes na Associação Brasil Parkinson. Ainda que alguns relutem e escolham treinos menos desafiadores, a maioria faz e recebe grande melhora.”
Continuidade da pesquisa
O sintoma da instabilidade postural pode evoluir ao fenômeno do freezing. Carla explica o que acontece para pacientes com estágios mais graves da doença. “Eles param de responder ao medicamento e a instabilidade postural vai piorando até o freezing. Ele consiste na tentativa de dar um passo, mas o pé não responde, fica fixo no chão. A maioria não consegue sair do lugar e cai. Por exemplo, em um local de grande aglomeração, o paciente fica parado por mais tempo devido à pressão que sente. Diante dessa gravidade, ou se opta pelo exercício ou é feito um procedimento cirúrgico”. Ela esclarece ainda que a cirurgia nesse nível da doença não é mais efetiva: “É cara e invasiva. Além disso, a durabilidade é de um ou dois anos, com a volta de sintomas ainda piores”.
Dessa forma, o prosseguimento da pesquisa está em verificar como o exercício de força com instabilidade interfere na atividade cerebral das áreas responsáveis por esse sintoma. No pós-doutorado de Carla, iniciado em julho, os 16 voluntários são pacientes dos estágios três e quatro, sem respostas ao tratamento. Há um grupo de controle, que não realiza nenhum exercício, apenas atividades da vida diária. Os outros realizam o treinamento de força com instabilidade por três meses, três vezes por semana em sessões de 90 minutos – mais demorado devido ao nível de debilidade do grupo.
Além das avaliações clínicas, o diferencial está no uso da ressonância magnética, que irá avaliar a atividade cerebral dos indivíduos. Carla explica que adaptou um paradigma idealizado pela equipe da pesquisadora Dra. Fay Horak da Oregon Health and Science University e testado com sucesso pela pesquisadora de pós-doutorado Andrea Cristina Pardini (financiamento Fapesp 2013/15256-0) e o neurorradiologista Edson Amaro Junior no Laboratório de Neuroimagem em Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (HCFM) da USP. O intuito do procedimento é verificar o efeito do treino através da comparação antes e depois no movimento de início do passo: “o ajuste postural antecipatório é o mecanismo para se realizar um passo. Muitas vezes, o freezing aparece por esse ajuste não ocorrer. Então, na ressonância avaliamos esse movimento. Dentro da máquina de ressonância, o indivíduo tem de levantar uma perna para tocar em um sensor enquanto o outro pé deve tocar outro sensor com o calcanhar”, explica a pesquisadora. O estudo ainda se encontra na fase inicial de avaliação e de treino.
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