Educação domiciliar cresce no Brasil e esbarra em leis da Constituição Federal

Opção educacional possui uma rede de defesa no Congresso e nos tribunais de justiça

Educação domiciliar ganhou adesão de pais e responsáveis no Brasil nos últimos três anos. Foto: reprodução

Inúmeras famílias brasileiras têm optado por educar seus filhos em casa sem, necessariamente, seguir o modelo brasileiro instituído pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).  Segundo dados da Associação nacional de educação domiciliar (Aned), a iniciativa já foi aderida por cerca de três mil famílias brasileiras e, no ano passado, atendeu aproximadamente 6 mil crianças. A organização revela que a busca pelo método cresceu em 516% entre os anos de 2011 e 2016.

A prática, também conhecida como homeschooling, não é proibida pela justiça no Brasil, mas a LDB obriga os responsáveis a matricularem as crianças no ensino básico a partir dos quatro anos. O advogado e especialista em educação não escolarizada pela Faculdade de Educação da USP, Édison Prado, afirma que apesar da educação domiciliar não atender à norma, a Constituição assegura que o ensino deve ser fornecido sob preceitos de liberdade de aprendizado e pesquisa. “Obrigar crianças e adolescentes a frequentar a escola é, portanto, romper com os princípios previstos na lei”, explica.

Famílias lutam na justiça por liberdade de educar os filhos da maneira como bem desejar. Foto: Reprodução

Prado é gestor da Associação Brasileira de Defesa e Promoção da Educação Familiar (ABDPEF) e atua com a consultoria e defensoria de casos relacionados ao tema. Ele foi responsável pelos processos judiciais das duas primeiras famílias no país que conquistaram o direito de educar os filhos em casa. Em seu doutorado sobre o tema, em que se defende o homeschooling como um direito da criança e do adolescente, ele conversou com 132 pais e responsáveis que optaram pelo método. Desses, 70% afirmaram que fizeram essa escolha porque a escola não representa os valores morais e princípios da família, além de acreditarem que optaram por uma forma de preparar melhor os filhos para o futuro. A parcela de 20% mencionou a qualidade precária das escolas públicas. Já os outros 10% apontaram a distância entre a casa e a instituição de ensino e o valor das mensalidades.

Baixos índices educacionais

Os últimos dados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), vinculado ao Ministério da Educação (MEC), revelaram que as redes públicas e privadas do país tiveram notas abaixo das metas estabelecidas pelo Governo Federal para o ensino médio e para os anos finais do ensino fundamental. Prado afirma que diante das porcentagens de sua pesquisa e da baixa qualidade educacional divulgada pelo medidor, é ingenuidade afirmar que a sociedade assume a missão de educar.

De acordo com ele, os jovens são tratados como números pelo Estado, moeda de troca pelas escolas privadas e investimento ao serem colocadas precipitadamente em cursos técnicos concomitantes com o ensino médio, como é o caso das Etecs. “A única instituição que é naturalmente orientada pelo amor fecundo e sem oportunismos é a família. Portanto, implementar a educação familiar desescolarizada significaria mudar o cenário de violência e corrupção presentes nas instituições públicas e privadas do nosso país”, afirma.

Iniciativas parlamentares a favor

Atualmente, corre na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) nº 3261/2015, do parlamentar Lincoln Portela (PR/MG). A iniciativa propõe a regulamentação da educação domiciliar. Em contrapartida, os alunos estariam sujeitos a uma avaliação periódica de aprendizagem nos termos das diretrizes nacionais de ensino.

A relatora do PL, deputada Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), apresentou um substitutivo à Comissão de Educação (CE) da Câmara. O documento exige a visita do educador na casa do aluno e prevê a obrigatoriedade das crianças e adolescentes, em sistema de educação domiciliar, estarem matriculados na rede pública. Além disso, o parlamentar Eduardo Bolsonaro apresentou o Projeto de Lei nº 3261/2015. A ideia do deputado é que o estudante educado em domicílio cumpra apenas um calendário de avaliações escolares, para que os órgãos educacionais saibam o que ele está aprendendo.

O parecer da CE que examinou as duas propostas aponta que as ideias contrariam o artigo 208 da Constituição Federal, em que se afirma que é obrigação do Poder Público prover educação. O texto relata que os estudantes em educação domiciliar estariam privados dos processos pedagógicos desenvolvidos no espaço escolar, que promovem a socialização e a cidadania. “A alternativa é elitista, pois seria possível apenas para as famílias com alto capital cultural. Isso não favoreceria as políticas de qualificação da escola pública brasileira”, aponta o relatório.

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